O filme de Mel Gibson, "Paixão de Cristo", é uma história de profunda coragem e sacrifício de um homem para educar aqueles que sofrem pela ignorância. A palavra "educação" quer dizer "conduzir para fora". Ou seja, a ação de preparar uma pessoa para o mundo, a fim de que ela seja melhor em suas atitudes.
Sem dúvida, em minha opinião, "Paixão" é uma obra cinematográfica triunfante e inflexível. O filme nos convida a ser menos reativos em nossos julgamentos cruéis, e mais educados, preparados, com senso de equidade. Embora, para alguns, a violência manche um pouco as cenas, é preciso transcendê-la para chegarmos ao bem. Quase no final do filme me questionei: o que de fato ocorreu com aquelas pessoas que participaram daquele ato nefasto? Ainda preciso melhorar, pois no meu mais íntimo queria uma punição para todos eles. Impossível saber o que eles tiveram como sentença, porque não sabemos como o bem e o mal transitaram no imaginário de cada um.
Então, penso, será que a doença não é um tipo de justiça divina? Pois, se a saúde é um estado de integridade, ao estarmos íntegros não há razão para adoecer? A patologia (paixão – patos – do corpo) é uma expressão do padecimento, da dificuldade do aprendizado pela consciência. Ao estarmos doentes estamos fragmentados. Se não aprendemos a crescer integramente, a doença pode se manifestar como o caminho rumo à redenção, ao perdão próprio. Porque perdoar é começar de novo, em busca da integridade.
Esse seria o motivo da Páscoa (a passagem), a ressurreição do corpo. É preciso morrer para padrões antigos para renascer em um corpo saudável. Vejo a cura de meus "pacientes" acontecer quando eles mudam seus hábitos. Sem mudança não há Páscoa. Podemos até justificar que no tempo de Jesus era diferente, mas será apenas uma justificativa ideológica, como muitas que são imputadas às nossas crenças. Jesus operava milagres porque sabia que a ação da fé era o que devolvia a integridade aos sofredores, partidos pelos seus atos.
Evitar a culpa é também uma atitude importante. Quando uma pessoa se sente culpada ela resiste à mudança, como meio de se punir. Não devemos nos julgar, pois não a nossa capacidade de discernimento é também relativa, portanto podemos errar o alvo (pecar). Então, agora, já que estamos na Páscoa, por que não praticarmos os ensinamentos de nosso mestre?
Contudo, o que Jesus quis nos ensinar parece não ter sido tão eficaz como gostaríamos que fosse. Após 2010 anos, poderíamos estar vivendo em paz se seguíssemos ao menos parte de seus ensinamentos, mas a falta de ação e compreensão acabou por nos deixar à deriva. Preferimos a distração, evitando o contato com a nossa realidade íntima, valorizando a ilusão. Por isso, acho a violência do filme uma conquista de Gibson. Ele queria mostrar e nos fazer sentir na carne o que supostamente Jesus sentiu, ele queria nos fazer ser compassivos à força. Para quem não sabe, a compaixão é um sentimento cognitivo proposto pela primeira vez no Ocidente por Jesus de Nazaré.
Quando assisti ao filme – o que faço todos os anos na sexta-feira santa –, não pestanejei um instante sequer na ideologia do pecado. Somos todos pecadores. Para quem não sabe, o próprio Mel Gibson resolveu participar do filme na cena em que a mão do Cristo é perfurada pelo cravo. Ele queria ser incluído na cena como um dos pecadores presentes na Terra. Aí ele nos convida à reflexão.
Acredito que não queremos pecar. Recusar a distração e encarar a nós mesmos, no entanto, é uma atitude sensata. Se sofremos é porque faz parte de nossa natureza humana. Enfim, enquanto estivermos vivos ainda nos resta a esperança de praticarmos uma redenção mais consciente.
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