27 de dezembro de 2010

Tempo de chuvas




As chuvas de verão me remetem à infância. Um sentimento não deixado para trás. Ele está em mim, no presente, incrustado na minha carne. De fato temos todos os tempos vividos. Eles estão guardados, nos fazendo ser o que somos. Toda experiência é irredutível. Quanto mais velhos ficamos mais conteúdos temos para elaborar. Não adianta acreditar que o passado se dissolverá. Ele, na melhor das hipóteses, pode apenas ter um novo significado. As lembranças são sorrateiras, nos pega de surpresa. Grande parte das vezes elas não vêm à consciência. Contudo, elas nos faz sentir. Sabe aquele sentimento, bom ou ruim, que nos atinge ao atravessar uma experiência nova? Um simples cheiro nos joga de novo no passado, nos fazendo viver o presente repletos da experiência remota.  
Nos dias de chuva de verão adorava ficar quieto no meu quarto brincando com um posto de gasolina e carrinhos Matchbox.  Revivo este sentimento todas as vezes em que estou em casa sem fazer nada. Eu quero preservar o sentimento, porque ele me renova. Estou de férias e quero brincar. Não tenho mais os meus brinquedos, mas tenho as minhas lembranças, e elas são lindas e ingênuas. É tão importante se sentir ingênuo ao estar adulto, e fortalecer bons sentimentos.
Hoje por aqui choveu bastante e eu trouxe à consciência meus momentos de brincadeira nos dias de chuva com o meu posto e meus carrinhos. Eu repousei nos pingos lineares de chuva forte. Senti-me banhado, limpo, revigorado. Então dormi e sonhei que era o herói de mim mesmo. O herói salvava-me de meus padrões adultos de reponsabilidade. No sonho não me preocupava com as goteiras caídas na superfície do corpo, alegrava-me de não ser sério, era apenas um garoto sem culpa por nada fazer, apenas brincando de ser. Eu era o frentista do posto, o condutor de valiosos carros, e lavava os carros. Não havia hierarquia na experiência onírica. Eu era todos ao mesmo tempo, porque o tempo da magia me era lícito.
As chuvas de verão são bênçãos a cair do céu. Tudo é permitido sentir, basta aceitar o convite da mãe natureza.

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