9 de julho de 2010

A morte lhe cai bem

Não quero ser dramático, mas estamos morrendo. Viver e morrer são processos indissociáveis. A única certeza é de que não há certeza onde, como e quando acabaremos de morrer. Viver é como despachar as bagagens aos poucos. Não adianta acumular coisas como meio de se ter âncoras. Ou ficar ocupado com tantas preocupações para obter o sentido quando não há mais sentido. Todos nós já estamos na estação com o bilhete comprado, esperando o nosso trem chegar para partirmos.

A morte é assim, vai recebendo em parcelas o nosso pagamento com a vida. Tudo o que veio da terra retornará para ela. Essa é a lei. Somos humanos (húmus). Portanto, somos adubos para a preservação da própria terra. Todavia, é o nosso comportamento que determinará quantas prestações faltam ser quitadas.

Atualmente, sinto menos a morte que antes. Quando trabalhava com pacientes terminais, a sensação que eu tinha era de que todos iam morrer logo após a minha retirada do recinto. Hoje, a morte ficou distante de mim, porque não estou em contato direto com ela. Quando presenciamos a morte de alguém, sentimos como se fosse a nossa própria morte. Ficamos mais tristes com o nosso próprio sentimento de vulnerabilidade do que com a partida do outro. Só que não percebemos assim, porque pode parecer egoísmo. O inconsciente nos mune de defesas com ideias de invencibilidade.

Não tenho a pretensão de pensar que pelo fato de não sentir a minha própria morte, significa que eu não esteja sendo liquidado aos poucos. Quando penso que o oxigênio que eu respiro neste momento para escrever estas linhas se transforma em radicais livres, nos quais serão prenunciadores de minha morte mais tarde, isso me deixa incomodado. Não que eu tenha medo de morrer, mas como morrer. Porque ninguém morre de morte natural, como pensávamos antes, morremos por uma doença qualquer. O que nos dá certo alívio é saber que, segundo algumas teorias, a morte é silenciosa e indolor. O organismo vivo sabe se livrar da dor e do sofrimento com bastante habilidade. Mesmo assim, a morte é um enigma a ser decifrado somente por quem morre.

O que mais incomoda não é a morte em si, mas o medo do sofrimento. O cérebro é um órgão inteligente, ele sabe amortecer o sentir quando nos sentimos ameaçados. Isso pode ser bom ou ruim, depende de quem vivencia o acontecimento. Sendo seres situados como somos deve ser bem difícil não estar localizado.

Todos nós passamos por sofrimentos. Ou sabemos lidar com eles, ou nos amortecemos para eles. O problema é que ao nos amortecer para o sofrimento também nos amortecemos para o prazer de viver. Entramos numa espécie de limbo em vida.

Vejo muitas pessoas em suspenso devido ao uso de medicamentos. Muitos não suportam viver porque a vida não se desenrola como elas desejam. Daí, a medicina cria os seus rótulos e interpretações para retirar a responsabilidade do sujeito. Pronto, a pessoa é classificada como depressiva, e é conduzida ao limbo pela ação de medicamentos. O cérebro é encharcado por substâncias inibidoras, com a intenção de amenizar, distrair, fazer com que a pessoa evite entrar em contato com o sofrimento. Viver é difícil. Nunca achei simples, porque não vivemos simplesmente, mas convivemos. Se não soubermos criar, transformar, reinventar a vida todos os dias, com certeza, teremos menos parcelas para pagar. E, morremos mais cedo.

Quem não suporta viver, porque detesta a sua situação, o medicamento consegue desligar alguns neurônios. Alguns medicamentos inibidores como Rivotril é hoje o segundo medicamento mais vendido no Brasil, perdendo apenas para o Hipoglós e Buscopan. Isso representa algo lamentável em nosso progresso. Denota que muitas pessoas não sabem lidar com a própria vida, e preferem não viver totalmente, só parcialmente. Viver pela metade não é viver, e sim sobreviver.

Enfim, a próxima vez que estiver passando por um mau momento, pense se você quer encarar ou amortecer. A escolha continua sendo sua.

2 comentários:

  1. A morte devia ser comemorada e nunca lamentada. Só vive bem quem olha a morte como um final de peça, um cair do pano...parte natural da existência. É difícil sim. São séculos e séculos de injúria a quem nos acompanha, empoleirada em nossos ombros, desde o início. A morte é bela, fascinante e doce. Bj, Pedro. Teruska

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  2. Veja só que maravilha viver sincronizada com amigos como vc.
    Estava neste momento tentando fechar uma aba havia aberto para uma pesquisa,algo impedia completar o afazer.Então pensei:Vou ao blog do Pedro tenho a nítida intuição q tem algo para dizer, não pensei , fui aos marcadores cliquei na pagina favorita, (já q a aba não fechava rs) e rapidinho veio vc perguntar se a morte nós cai bem?
    Pois claro muitas vezes é o melhor caimento para parar uma guerra intima, u luta travada do não aceitar a própria vida como ela é, isso pq o homem em evolução não conseguiu entender q sua estadia neste planetinha do tamanho de um grão de areia tem por serventia ajuda-lo a desenvolver o seu potencial espiritual, fazer com a sua moral o q faz com a inteligência, então se está em luta intima , relutando por não querer se transformar e subir alguns degraus nesta sua passagem pela terra apela pela morte moral, o q seria pior bem pior q a morte física.
    Entendo sobre vida, a morte não existe para aqueles q enfrentam cada fase de suas vidas sabendo q em cada uma delas se aprende um tipo de vida e um tipo de morte.
    Acabo de chegar do posto médico do nosso pequeno quarto distrito de Petrópolis, onde nunca imaginava ver meu pai e minha mãe ambos deitados , cada qual em uma maca, desde 6 horas da tarde talvez pensando sobre esta frase q vc postou isso claro q inconscientemente, pois papai estava com a pressão muito alta, e mamãe com a glicose quase chegando a 500.
    Muitas vezes não sabemos viver nem tão pouco ou muito menos de vida e morte.
    QUERIDO BJOS E MUITA PAZ.

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