
Desde muito cedo carrego a ideia de minha morte, e aprecio exercitar o desapego. Não me acho insubstituível no palco da vida. Percebo que sou um ser em andamento, no caminho de minha finalização. Até quando, não me preocupo. Um dia a finalização da obra da vida se completa e as cortinas se fecham.
Sempre digo às pessoas com as quais me relaciono terapeuticamente: “Perde-se o corpo, mas não se deve perder a dignidade”. A dignidade permanece, mesmo ao sairmos de cena. Temos de deixar bons exemplos para os outros, principalmente aos mais jovens. Porque assim estamos consolidando algo maior, a criação de bons modelos para o mundo. Temos de pensar nisso, para que os outros possam realizar o que muitas vezes não fomos capazes de fazê-lo.
Ontem disse a uma mulher de oitenta anos: “Prepare a mala para partir”. Pode parecer estranho dizer isso, mas quando nos preparamos para morrer nos preparamos para viver. Jung dizia: “Um velho que não consegue se despedir da vida parece tão débil e doentio quanto um jovem que é incapaz de abraçá-la”. Ela, na verdade, tem muita dificuldade em se desapegar das coisas, e das pessoas. Ela sofre com os excessos, e com acúmulos.
Ontem também atendi a um homem velho que tem uma aparência muito mais jovem para a idade dele. Ao olhar para ele via o modelo sonhado por muitos, numa sociedade que adora consumir superficialidades. Ele tem um corpo que não se desenvolveu. Não conseguiu crescer como pessoa. Nunca teve um relacionamento com uma mulher, ainda é virgem, e sempre viveu sozinho. Sendo ingênuo e receoso, ele não suporta estar ao lado das pessoas. Como ele mesmo diz: “Sempre fui egoísta, porque nunca tive de repartir nada com ninguém”. Ele nunca ambicionou crescer, e só agora aos sessenta e cinco anos de idade resolveu viver, porque se viu ameaçado pela morte. Isto é, a morte lhe trouxe a oportunidade de pensar em começar a vida.
Esses duas histórias mostram que vivemos uma ambiguidade. Na história dela, a incapacidade de se desapegar antecipa a morte pela doença, provocada pela resistência e sofrimento. Na história dele, a morte anunciada dá chances para ele começar a viver.
Enfim, só não se pode demorar, pois a vida tem o seu tempo próprio, como pode ser visto no vídeo abaixo:
É verdade, não queremos partir. Nossa vida é alimentada pelas nossas sensações que nos entorpecem e não nos permitem aceitar o fim. Não queremos arrumar as malas. E o fim, como voce me falou hoje à tarde, após o filme Iris, é como uma folha que cai...morreu...
ResponderExcluirGraça
Eu estava precisando ler as suas palavras nesse momento especial....estou vendo a minha mae de 90 anos, com grandes dificuldades em aceitar a idade: ve as suas mãos e as comenta depreciativamente, os pés, a perda de cabelos, não se conforma. Não está doente, mas tem problemas com o esqueleto...mas anda, fala, enxerga, escuta...procura fazer ela agradecer essas bençãos, mas ela nã entende, me chama de incompreensiva. E eu, com 65, viuva, inconformada, não com a idade, mas com a solidão em que a viuvez me deixou...entendo todas as palavras de Neruda: "não viveu quem...." mas não consigo achar graça na vida....digo que não tenho medo de morrer, mas tenho pavor de adoecer....sofri com um filho com leucemia, e o meu marido com vários tipos de cancer....o meu pavor me imobiliza, apesar de não ter nenhum problema. Mas só a idéia dos exames periodicos me apavoram.....me consolaram as suas palavras, de que nem toda a doença, todo o diagnótico significa a morte....desculpe o desabafo,
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