Sinto uma rufada de vento. Ele tem esse propósito, acordar os sentidos. Para quem escreve, é preciso afinar o instrumento. Não se pode deixar passar um dia sequer sem escrever. Tenho vacilado nos últimos dias, pois a carga de trabalho terapêutico acaba por me levar à indolência com as palavras. São atividades diferentes, mesmo que eu as cruze de vez em quando.
Já que o vento me acordou e o pássaro cantou, então sou instigado a escrever. Costumo ouvir o canto deste pássaro, que agora me chama. Não sei se posso reconhecê-lo como amigo. Ele parece cantar a mesma canção todas as manhãs. Será que ele é sempre o mesmo? Acho que não, mas prefiro acreditar que sim. Assim tenho um amigo. Não quero discriminar os pássaros. É um amigo cuja presença me faz sentir melhor, e pronto. Essa é a finalidade dos amigos, em quaisquer situações o simples fato de sabermos que eles estão por perto já nos faz sentir apoio, amparo, conforto.
Este pássaro canta a mesma canção todos os dias para mim. Ele agora está por perto, aqui no jardim, escondido por sua timidez, ou por cautela. Os animais são desconfiados. Eles têm de ser mesmo. Nunca se sabe a natureza do outro bicho. Isso me lembra de uma parábola africana que conta que havia um sapo na beira de um rio. Ele estava pronto para atravessar quando se aproximou um escorpião pedindo para que ele o ajudasse a atravessar. O sapo concordou desde que ele prometesse não picá-lo. O escorpião retrucou dizendo que ele podia ser mal, mas não era burro. Porque se ele o picasse o sapo ficaria paralisado e ambos morreriam afogados. O sapo achou lógico. Então, lá foram os dois. Assim, que o sapo estava chegando à outra margem do rio, o escorpião cravou seu ferrão nas costas do sapo. E o sapo antes de morrer perguntou a razão de ele ter feito aquilo. Ele respondeu que aquela era a natureza dos escorpiões.
A natureza nos faz agir de certo modo que nem sempre sabemos o porquê. Não tem lógica. Se houvesse, eu não assistiria a pessoas mais velhas maltratadas por seus próprios filhos, ou pais educando seus filhos a ser mesquinhos, e assim por diante. Não quero escrever sobre isso agora. Porque hoje é domingo, e estou falando de um canto amigo.
Hoje é dia de ventos suaves. Nada de rajadas fortes de ventos primaveris. Hoje é domingo, quase ninguém trabalha. É um dia de silêncio. O vento não costuma trazer muitas novidades.
Quero estar a favor do vento. Pois se ele soprar em minha direção, escutarei esta linda canção de um pássaro amigo, mesmo quando ele estiver distante.
Li seu texto hoje terça-feira.
ResponderExcluirNum momento muito emotivo.
E claro que as lágrimas estão a rolar em meio a rajadas de vento outonais.
Compartilhando espaço com pensamentos confusos sobre as complexidades que envolvem todas as naturezas.
Mas... o canto dos pássaros, ah como é bom e tranquilizante despertar com seu canto, e mesmo ouvi-los cantar ainda que distante.
Grata pelo belo texto Pedro, grata por compartilhar seus pensamentos, sentidos.
Abraços