4 de novembro de 2010

Um simples gesto de retribuição


Sinto uma profunda gratidão ao me emocionar com as histórias de pessoas comuns. Elas são tão reais que sinto que somente nestas histórias posso confiar. Ser terapeuta é ter a perícia em perscrutar o background de um acontecimento revelado. Lido continuamente com o que denomino de “efeitos especiais”. A grande maioria das pessoas quer me impressionar com histórias de bondade e de grandeza, somente para acarinhar o ego delas, e serem aceitas por mim. Como terapeuta eu não julgo, pois o meu papel não é julgar, e sim ajudar a elucidar o processo de suas vidas, auxiliar na colheita dos cacos de um passado fragmentado. Contudo, eu também sinto, e prometi para mim mesmo que me permitirei sentir sempre. Não quero ser o “profissional” separado do meu eu pessoal. O que me toca de maneira inefável é algo que me faz ser melhor. Sempre digo que as pessoas que atendo me ensinaram, e continuam a ensinar, muito mais do que todos os meus estudos teóricos. Não existem autores que me façam refletir mais do que as pessoas em processo terapêutico.

Ao me emocionar com uma história, vejo-a carregada por uma trilha sonora belíssima. É fantástico poder escutar um acontecimento passado e criar as minhas próprias imagens mentais. Eu reinvento a fala do outro para estar dentro dela. E lá eu me regozijo. Eu sempre desejei viver sonhos em estado de vigília. Nas histórias de meus companheiros de aventura terapêutica posso me sentir engrandecido. Certa vez li uma reportagem de um milionário que dizia que o maior sonho dele era poder ajudar as pessoas a serem melhores. Eu não sou nem um pouco rico, mas me sinto tão bem por poder contribuir com as pessoas.

Frequentemente os meus atendimentos vêm carregados de dores e sofrimentos, sejam por um passado repleto de mágoas, sejam por situações mal resolvidas. Para quem vive uma situação difícil de ser resolvida pode parecer impossível que um dia a vida melhorará. Posso afirmar que sempre melhora. Basta ter paciência consigo mesmo. Podemos sim resolver o que se passou. Com um pouco de humildade é possível dar um novo significado ao passado, criando novas forças ao presente, e oportunidades felizes ao futuro.

Hoje escutei uma mulher de setenta anos de idade dizer: “Nunca fui feliz em toda a minha vida, mas na velhice sou a mulher mais feliz do mundo”. Não poderia aqui contar toda a história de vida dessa mulher, porque daria um livro inteiro. Mas, ela me revelou algo fantástico hoje:

“Nunca disse a ninguém o que vou contar a você. Na minha vida de casada nunca senti prazer sexual. O meu marido sempre foi um homem respeitador, me ensinou muita coisa, uma época a qual eu não sabia nada de nada. Quando ele morreu, fiquei muito triste por perder uma pessoa importante na minha vida. Nunca tivemos filhos. Mas, eu tive de seguir adiante. Anos após conheci outro homem. Ele foi a minha grande descoberta. Nunca pensei que eu ainda teria uma pessoa a quem amar. Ele foi muito mais do que eu poderia imaginar. Ele era carinhoso, e me deu algo que eu nunca podia ter imaginado. Ele conseguiu retirar meus bloqueios sexuais e, consequentemente, meus medos da vida. Ele me tornou mulher. Eu era casada, mas não era mulher. Então, certo dia, eu vi um anúncio de curso de pompoarismo no jornal. Liguei para saber o que era. A menina me respondeu que era uma antiga técnica oriental, derivada do tantra, que consiste na contração e relaxamento dos músculos circunvaginais, buscando como resultado o prazer sexual. Eu queria dar a ele o que ele me deu. Eu necessitava retribuir o bem que ele me fizera.”

Neste momento vi os olhos dela lacrimejarem. Pensei estar próximo de uma mulher que havia se preparado para o ritual do sexo sagrado (Maithuna). Desenvolvida inicialmente pelas sacerdotisas dos templos da Grande Mãe a fim de ser utilizada nos rituais de fertilidade. Ela se expressava como uma verdadeira deusa tântrica ao me contar o que era o verdadeiro orgasmo feminino. E no fim, ela me disse que ele nunca havia tido orgasmo, mas naquele dia especial ele conseguiu chegar ao verdadeiro orgasmo. “Eu consegui retribuir o grande bem que ele me fez”. Então eu perguntei: “Como você sabe?”. Ela simplesmente riu e respondeu: “Foi a primeira vez que ele gritou”.

3 comentários:

  1. Um bom terapeuta pode até ser o "sujeito do suposto saber" como dizem, mas, como voce, deve ser todo sensibilidade.
    Adoro seus textos e sua sensibilidade!
    :)
    Beijos

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  2. Anônimo01:53

    A própria terapia é a da vida, nela aprendemos coisas imagináveis!
    Amei seu espaço, parabéns e sucesso!
    Abraços!

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  3. Passeando pelos blogs...encontrei o seu...
    que encanto...uma sensibilidade incrivel...
    amei e vou seguir você...
    um abraço
    Dayse

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