Desde
muito cedo aprendemos a projetar o futuro, um tempo que não é ainda e que não
sabemos se será. A incerteza é o que nos move e nos faz mudar. Só podemos ser
alguém pela mudança. Envelhecer é mudar. Não importa a idade, estamos
envelhecendo e nos transformando. No processo de envelhecer adquirimos
acontecimentos, somamos experiências, formamos histórias. Somos o que somos
porque tudo balança. Como dizia Montaigne: “O mundo não passa de uma balança
perene. Todas as coisas nele balançam sem cessar”.
Quando eu era
criança fantasiava as mais belas paisagens e as melhores imagens para um tempo
que ainda estava por vir. Por meio de brincadeiras já demonstrava o que eu me
tornaria na vida adulta. Lembro-me de brincar de professor, montava sala de
aula com caixas de fósforo representando as carteiras, e punha bonecos
Playmobil, índios apaches, xerifes, super-heróis, perfilados em uma mesma
classe. Na última fila ficavam os monstros, porque eles eram os bonecos
maiores, não porque eles eram inferiores. Na minha brincadeira não havia
distinções entre os alunos, porque eu ainda desconhecia as demarcações do
diferente. Só quando cresci mais um pouco fui perceber que mesmo entre as crianças
existem as regras da diferença. Um grupo nos enquadra em certas classes
sociais. Fui rejeitado por parte de meus colegas porque eu era o mais pobre
deles. Não podia ter os mesmos brinquedos. Então encontrei asilo entre os mais
velhos. As brincadeiras não eram as mesmas. Eles gostavam mais das histórias do
que das fantasias infantis. Eu gostei daquilo. Achava interessante o que eles
me contavam. Sendo assim, me tornei parceiros deles, uma espécie de
interlocutor mirim, com muitas questões sobre tudo.
O
tempo do passado já anunciava a minha trajetória futura. O porvir já se
prefigurava lá atrás. Hoje, no tempo presente, percebo todas as linhas do tempo
e teço a minha presença aqui e agora. Todos os acontecimentos foram
fundamentais para eu ser o que sou. Para sermos inteiros nada pode ser
descartado, nem mesmo o sofrimento. Sem dúvida, quando percebia que eu estava
sendo rejeitado por não ter o que os meus colegas tinham, isso gerava sentimentos
de revolta, incompreensão, tristeza e, consequentemente, emoção de raiva. Foram
fatos marcantes porque até hoje consigo lembrar. O que não tem relevância cai
no vazio do esquecimento. Atualmente, no entanto, sou grato aos meus colegas
pela rejeição, pois assim aprendi o valor da inclusão.
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