5 de novembro de 2011

A Paixão de Mulheres mais Velhas



As pessoas têm opinião sobre tudo. Paisagem comum, nada estranho. Elas pensam saber porque viram na televisão ou internet. Acreditam que os segredos mais velados são vistos nos filmes ou nas novelas. Quem não conhece bem de perto gente de verdade não sabe o que é o mundo dos vivos, humanos que sentem. Viver é aceitar sentir, mesmo se for preciso sofrer. Na atualidade, as pessoas são instigadas a pensar cada vez mais, e sentir cada vez menos. Muitos jovens estão mais mortos do que muitos velhos, porque o sentir parece um deboche desavergonhado. Ser mais velho ou ser mais jovem não faz diferença. O que realmente faz diferença é "como" viver, é a qualidade do sentir. Os velhos estão mais vivos quando são românticos, pois o romantismo cura tudo.

Pode-se conhecer muito sobre vários assuntos, mas sempre haverá surpresa no encontro face a face com a história velada. Na descoberta surge um novo conhecer e não simplesmente um reconhecimento. A mudança transforma o ser, pois está em contínuo processo de renovação. Ao ver assim, o envelhecimento se desenrola com categoria.

Muitos acreditam (mesmo os mais velhos) que a velhice é uma estação de paragem cujo trem nunca chega, um frame de fotografia no qual a imagem dos filhos e netos está em primeiro plano; os velhos sentados numa cadeira, enquanto os parrudos jovens se postam de pé. As pessoas ainda acham que a velhice é uma época tardia de colheita resoluta. A velhice está longe de ser isso. Talvez para alguns que não conseguiram preservar a paixão.

A paixão é força, provoca comichões, anseios de espera pelo outro, folhas verdejantes e piqueniques secretos. A paixão por alguém instiga a não entender nada, somente sentir. Quem quer usar a razão acaba por ficar com as mãos frias, boca seca, palpitações e pessimismo de que a relação pode não dar certo. A paixão é inefável à linguagem lógica, só pode ser compreendida pelos sentidos e, sobretudo, pela pele. Todo o revestimento do corpo se excita ao extremo, sendo o corpo do outro o único meio de remediar, trazer ao meio, ao centro. Paixão é o impulso em direção à união de dois corpos.

Atendo três mulheres acima de setenta anos que estão apaixonadas por homens mais jovens. Os netos não sabem, os filhos fecham os lábios envergonhados. Talvez para quem pensa o tempo dos mais velhos como uma fotografia em preto e branco, folhas mortas de quedas outonais, tricôs e crochês em cadeiras de balanço, a cena possa causar certo impacto, porventura até repulsa.

Cada uma dessas mulheres acredita ser única em seu sentir. Estão apavoradas com o sentimento arrebatador. Exceto a mais velha delas, que me disse na semana passada:

"Sentir isso novamente me dá a certeza de que eu não adormeci em minha velhice. Não digo que me sinto mais jovem por isso, porque eu estaria mentindo para mim. Estou feliz com este sentimento porque sinto que existe algo maior do que eu mesma, maior que a minha razão pode conter. Existe pulsação. Você sabe o que é isso? Na minha idade ter a chance de desejar é uma coisa difícil de explicar. Não é bom? Mesmo que nada aconteça entre mim e ele, sei que pude sentir. Isso já me deixa totalmente realizada".

Muitos podem pensar que se apaixonar pode ser tentar reviver o que já se passou, tentativa de reviver o impossível, pois o trem já partiu, estação à escura, solidão sem som. Porém, nos trilhos da vida sempre existirá retornos.   

O tempo precisa de novo significado, precisa ser pensado como pertencente ao sujeito que o sente. O tempo cronológico, por outro lado, é para quem está fora e só quer julgar. Quem disse que é preciso ser castrado pelo tempo? Kronos castrou o pai Urano. O mito deixou um legado de conceitos equivocados.

O tempo cronológico, ou ainda, a idade numérica, não permite necessidades com naturalidade. Deixa-se de lado o sentir, sufoca o desejo do corpo, amortece o viver. Anestesia-se os desejos enaltecendo preconceitos. Eles são expulsos da vontade, desvalorizando o sentimento simples. Não existe idade para ser amado, porém só os criadores do próprio tempo sabem disso.

O tempo interno é oportunidade para renovação. A verdade é única: O envelhecer ocorre de tanta renovação. Em cada momento somos outros, e isso é viver. Daí uma nova esperança. Como ter esperança sem que haja renovação das crenças?

O tempo interno não compreende passagens, porque nele não há marcas transitórias. Portanto, passado e futuro são apenas fotogramas sem vida. Viver não é estar bem na foto, porque o tempo não é um pêndulo em movimento. Porque dentro de cada um existe uma imagem inescrutável.

Outra mulher na mesma situação me disse: "Eu não sinto a passagem do tempo, porque em minha essência eu sempre fui o que sou. Por isso não me sinto envergonhada por estar apaixonada. O meu receio é não ser correspondida".

Não se pode mudar a essência, muda-se sim a maneira de enxergá-la, muitas vezes por causa do olhar do outro. Assim o caráter é reforçado. A essência é atemporal. Daí existir um descompasso entre o corpo que muda -  se transforma no próprio movimento - e a imagem de si mesmo. Uma imagem incapaz de ser vista no espelho, porque nela já contem conceitos sobre o que deveria ser, mas não é.

Não se mede a vida pela quantidade de anos, e sim por aquilo que se vive. Viver é também sentir, e deve se permitir sentir. Rejeitar o sentimento é abandonar parte de si mesmo, é viver pela metade.

A paixão entre duas pessoas vive mesmo em corpos que já experimentaram paixões passadas. E por que não? O mais importante é sentir, independentemente do que se avistará ao longe.  

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