A culpa só tem um
tempo: o passado. Ela se localiza atrás, nas costas, no sítio das sombras. Não
pode haver culpa no presente, pois neste tempo só há responsabilidade.
Responsabilidade é o ato de dar respostas com habilidade, é um ato de escolha,
um agir. Só agimos no presente, e a ação pertence ao corpo.
O movimento final ocorre
em três rápidas etapas no cérebro humano. A primeira é a intenção (idealização)
de se mover. A segunda é o esquema de como se mover. A terceira é simplesmente
a realização do movimento. Quando esta última já está pronta é quase impossível
refreá-la. Ainda assim a ação pode ser recuada pela consciência atenta.
Se no tempo presente
há a livre-escolha ao que se apresenta a nós, então é neste tempo que surge a
oportunidade. Sem a consciência atenta, o movimento consciente se transforma em
reação. E quem dita regras são os impulsos mais primitivos. A pessoa se torna culpada,
porém inocente de si mesma.
Após o ato surge a
percepção da falha. A palavra pecado
significa “errar o alvo”. A flecha ao deixar o arco não tem volta. A consumação
do ato é a flecha caída distante do alvo. Dessa maneira, a ação presente se
reverte em passado estanque. A marca da consequência se torna em débito, a
culpa.
Todo débito é lacuna a
qual a consciência se esforça para preencher. O cérebro humano não suporta
pontos cegos, ele busca sempre uma maneira de preencher a falta, dar sentido. Por
isso, o culpado tenta justificar a falha. O vazio se transforma em um traidor
contínuo. Ao justificar o erro, cria-se a(s) desculpa(s).
A culpa pode ser vista
por dois ângulos. A culpa positiva, como uma falha a ser preenchida. Um agir da
consciência. Se eu reconheço o meu débito e me envergonho dele, minha intenção
é pagar. A falha se torna redenção. Redimir-se é aprender novas habilidades, ou
seja, responsabilidades mais eficazes. A consciência do erro facilita outras
maneiras de agir. Segundo, a culpa negativa, é aquela que cria a armadilha da não
mudança. Se o passado não pode ser modificado, a punição é a única solução, é um
ato de julgar. Enquanto o perdão é a ressignificação da história, todo julgamento
é a morte.
A culpa neurótica é a
reverberação de pensamentos masoquistas. Se a culpa está num tempo
irremediável, que é o passado, não há como mudá-lo. Nesse caso, não há como
interferir nele, está feito, só resta o sofrer como pagamento do débito. A culpa
neurótica é estanque. As pessoas se sentem no limbo. Um lugar de indefinição,
onde nada se move adiante.
Todavia, como seres
dinâmicos, somos instigados a continuar. Querer permanecer na não ação é sofrer
constantemente com as lembranças. O corpo é o nosso imaginário pulsante. Se não
houver ressignificação das falhas passadas, o corpo adoece como meio de pagar a
dívida. Ele se torna o juiz e algoz, deixando um estigma, uma marca do erro
incompreendido.
Enfim, não é fácil perdoar
o corpo, mas é possível consegui-lo pelo exercício do auto-perdão:
eu me perdoo, estou perdoando, sou perdoado.
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