11 de maio de 2012

As facetas da culpa

A culpa só tem um tempo: o passado. Ela se localiza atrás, nas costas, no sítio das sombras. Não pode haver culpa no presente, pois neste tempo só há responsabilidade. Responsabilidade é o ato de dar respostas com habilidade, é um ato de escolha, um agir. Só agimos no presente, e a ação pertence ao corpo.

O movimento final ocorre em três rápidas etapas no cérebro humano. A primeira é a intenção (idealização) de se mover. A segunda é o esquema de como se mover. A terceira é simplesmente a realização do movimento. Quando esta última já está pronta é quase impossível refreá-la. Ainda assim a ação pode ser recuada pela consciência atenta.

Se no tempo presente há a livre-escolha ao que se apresenta a nós, então é neste tempo que surge a oportunidade. Sem a consciência atenta, o movimento consciente se transforma em reação. E quem dita regras são os impulsos mais primitivos. A pessoa se torna culpada, porém inocente de si mesma.

Após o ato surge a percepção da falha. A palavra pecado significa “errar o alvo”. A flecha ao deixar o arco não tem volta. A consumação do ato é a flecha caída distante do alvo. Dessa maneira, a ação presente se reverte em passado estanque. A marca da consequência se torna em débito, a culpa.

Todo débito é lacuna a qual a consciência se esforça para preencher. O cérebro humano não suporta pontos cegos, ele busca sempre uma maneira de preencher a falta, dar sentido. Por isso, o culpado tenta justificar a falha. O vazio se transforma em um traidor contínuo. Ao justificar o erro, cria-se a(s) desculpa(s).

A culpa pode ser vista por dois ângulos. A culpa positiva, como uma falha a ser preenchida. Um agir da consciência. Se eu reconheço o meu débito e me envergonho dele, minha intenção é pagar. A falha se torna redenção. Redimir-se é aprender novas habilidades, ou seja, responsabilidades mais eficazes. A consciência do erro facilita outras maneiras de agir. Segundo, a culpa negativa, é aquela que cria a armadilha da não mudança. Se o passado não pode ser modificado, a punição é a única solução, é um ato de julgar. Enquanto o perdão é a ressignificação da história, todo julgamento é a morte.

A culpa neurótica é a reverberação de pensamentos masoquistas. Se a culpa está num tempo irremediável, que é o passado, não há como mudá-lo. Nesse caso, não há como interferir nele, está feito, só resta o sofrer como pagamento do débito. A culpa neurótica é estanque. As pessoas se sentem no limbo. Um lugar de indefinição, onde nada se move adiante.

Todavia, como seres dinâmicos, somos instigados a continuar. Querer permanecer na não ação é sofrer constantemente com as lembranças. O corpo é o nosso imaginário pulsante. Se não houver ressignificação das falhas passadas, o corpo adoece como meio de pagar a dívida. Ele se torna o juiz e algoz, deixando um estigma, uma marca do erro incompreendido.

Enfim, não é fácil perdoar o corpo, mas é possível consegui-lo pelo exercício do auto-perdão: 

eu me perdoo, estou perdoando, sou perdoado.    

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