Uma mulher distante,
sem ter nada para dizer. O olhar não cessava de olhar o que não se via. Não
fechava os olhos para não deixar de ver o nada. Olhos abertos, estacionados no
além de si mesmo, inexpressivos. Sabemos que o olhar vem de dentro, ele é
somente uma figuração exterior aos olhos alheios. Ela não estava ali presente.
Não podia estar. Quantas vezes nos afastamos de nós mesmos a fim de encontrar
um refúgio? É factível ocorrer a todos nós. Podemos nos afastar de nós mesmos
com habilidade, basta não ter mais sentido na vida. O sentido é o que nos dá
sentido.
Embora possamos nos
distanciar, também sabemos como retornar, basta o estímulo do mundo nos tocar
de alguma maneira. Somos tocados pelo olhar, porque há um olhar de dentro. Ela,
ao contrário, recusava a comunicação com o que a circundava. Ela possuía um
corpo pesado, deixando suas pernas caídas com se não existissem, como se ela
não quisesse procurar. Nada nela tinha existência, senão o corpo visível aos
olhos alheios. A cabeça não se mexia para não interferir no olhar vago. Um peso
morto. Ela havia se abandonado há anos. Sem dúvida, pensei o que podia ter
acontecido para ela estar naquele estado. Sei que uma história se desnuda pelo
corpo, mas sei também que a palavra é o que materializa a história coerente.
Há anos busco levar às
pessoas algo que possa fazer sentido para as suas vidas. Sem direção não há
movimento. Porém, isso nem sempre é possível. Muitas vezes, a história de uma
pessoa foi marcada por agressões do mundo. Quando somos agredidos o corpo
encolhe, se arma pela couraça de proteção, e, assim, deixa de querer, se
embriagando de insensibilidade.
Perguntei a ela se a
satisfação não existia mais. Ela disse em tom enfadonho: "Eu preciso
morrer". Sem pensar eu retruquei: "Quem não quer? Viver é difícil.
Não tenho dúvida". Ela não disse mais nada. Voltou a olhar me atravessando
mais uma vez.
Para um problema ser
resolvido é preciso saber o "como", menos importante o "por quê".
É o método, a técnica, as nuances corporais que determinarão o retorno. Porém,
antes, é preciso acessar a linguagem subjetiva, o "como" sensibilizar
o outro. Essa é a tarefa mais árdua. Sem conhecer um pouco da história não
sabemos como conduzir, é como um barco flutuando nas brumas, sem acesso ao que
se vê logo à frente do nariz.
Tentei mostrá-la que
morrer não era uma opção no momento. Não temos como escolher como morrer. O que
ela queria verdadeiramente era se transformar. Ninguém pode viver deitado numa
cama sem interesse por nada. Ela só me olhava, sem coerência em seus olhos
claros e tomados por nuvens de catarata.
Então, tentei a
estimulação tátil. É uma técnica eficaz através da qual é possível trazer a pessoa de
volta, porque o sentido tátil é o que nos dá contorno. Precisamos reconhecer as nossas fronteiras
corporais, nossos limites, sem os quais não podemos viver a vida, só
sobreviver.
Não tive nenhuma
resposta, a não ser um melhor movimento do corpo dela. No fim da sessão, ela já
conseguia se levantar e se deitar sozinha, sem nenhuma ajuda. Eu tentei
conduzi-la, mas ela recusou o auxílio. Fez a sua parte. Todavia, eu não pude me sentir
ali, ela não permitia. Eu continuei do lado de fora, ela não me convidou a
entrar em seu mundo. Eu compreendi que ela havia perdido a chave da porta de entrada.
Tentarei ajudá-la a
encontrar essa chave, mesmo de fora. Este foi apenas o nosso primeiro encontro.
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