Semana
passada uma mulher de 78 de idade me falou com pesar:
"Desde
pequena sempre tive a sensação de que eu morreria cedo. Ainda penso assim, e
isso me deixa assustada."
Então,
perguntei qual era a idade dela. Ela me respondeu: "Vou fazer 79 anos este ano."
"E
você ainda acha que morrerá cedo depois de saber disso?", questionei
sorrindo.
"Eu
não consigo me ver velha. Você é quem vive me lembrando disso."
Rimos
juntos e pedi que ela deitasse na maca para iniciarmos a sessão terapêutica.
Eu
comecei a me sentir velho muito novo. Eu devia ter uns 35 anos. Aconteceu assim
que as minhas filhas começaram a crescer. Acredito que isso tenha ocorrido por
dois fatores. Primeiro, por uma noção de comparação. Sempre comparamos para ter
referências. Se eu as via cada vez maiores e tendo opinião própria sobre tudo,
percebi que eu já me enquadrava numa categoria, como o pai delas, de ser o mais
velho. Sendo assim, eu era também o
velho delas. Segundo, pela visão delas sobre mim. Elas me viam como um mentor,
minhas observações tinham peso para o comportamento delas. A ideia de que o
velho é um modelo de experiências vividas.
O
olhar do outro denuncia a nossa idade. É só estar atento a isso. Eu, por
exemplo, hoje em dia, sou chamado de doutor, senhor, professor, em todos os
lugares por onde passo. Lembro-me de quando eu era mais novo nunca ser chamado
dessa maneira. Acredito que isso se deva exclusivamente a minha mudança física.
Evidentemente, não mudamos somente o corpo, a estrutura muda também o
comportamento, e vice-versa.
A
forma física denuncia a nossa condição existencial, mas eu não me importo.
Aliás, como eu poderia me importar para um fato irrepreensível. Não vejo razão
para me sentir mal. É somente o modo como o outro me vê com o seu próprio
olhar. E se me veem assim é simplesmente por uma questão heurística.
Durante
o meu mestrado tive de elaborar exaustivamente os conceitos de envelhecimento e
velhice para conseguir ver além dos rótulos. Ser velho é um conceito apenas.
Podemos recriá-los, mas isso requer muito trabalho. Não é fácil mudar nossas
sinapses. Descobri que se assim fizermos criamos paradigmas mais convenientes.
Não vejo com bons olhos algumas pessoas mais velhas acreditarem em suas
juventudes. Quando elas passarão a ter a verdadeira noção do próprio
envelhecimento? Talvez nunca cheguem a pensar nisso. Penso que na medida em que
pudermos procurar novas maneiras de conceber a realidade, seremos mais livres.
É preciso fazer esse exercício diariamente, caso contrário estaremos fadados a
reagir à realidade da maneira que nossa cultura nos permite.
Eu
compreendo que não conseguimos nos ver velhos porque a palavra
"velho" é uma palavra que vem carregada de conceitos negativos. As
palavras nem sempre significam o que o senso comum determina. Por exemplo, a
palavra "revolução". Essa palavra vem incutida de significados
positivos, como avanço, mudança, progresso, continuidade, modernidade. Contudo,
a palavra não quer dizer um salto à frente. Pelo contrário, ela vem do latim revolvere que demonstra um ato de revolver,
rolar para trás, um retorno ao que era antes, ao ponto de partida, como nos
movimentos cíclicos das marés.
Falamos
da ciência revolucionária, mas se a boa ciência é aquela a quebrar a
continuidade a fim de avançar, então "revolucionária" seria a
denotação oposta a isso.
Da
mesma forma que envelhecer não pode ser revolucionário, porque é um movimento
em direção ao fim. Seria por isso que as pessoas não gostam de falar - às vezes
nem pensar - sobre o tema? Sim. O nosso inconsciente adaptativo busca modos de
sobrevivência com alta qualidade. É uma espécie de sistema imunológico
psicológico. Ele nos protege, mesmo que não sejam assertivas verídicas.
Segundo
o psicólogo americano Timothy Wilson, o inconsciente adaptativo influencia
diretamente a consciência para que nos sintamos bem. A consciência cria
justificativas ideológicas a fim de nós mesmos nos convencermos de que uma
ideia negativa possa se transformar em uma ideia positiva, mesmo que esta mesma
ideia seja falsa, como no caso da senhora que ainda acha que morrerá cedo.
Outro
dia eu disse a um homem de 82 anos, que guarda dinheiro com receio de precisar
dele para tratamentos médicos na velhice: "Você sabia que está na velhice
desde os 60 anos?". Ele retrucou: "Como assim? Você acha que eu já
sou velho?". Então, dei a fatídica notícia a ele: "Somos velhos
sociais a partir de 60 anos. Porém, se refletirmos mais profundamente, somos o
velho enquanto houver uma pessoa mais nova que nós por perto."
O
problema não é a velhice em si, e sim a falta de consciência sobre si mesmo. O
maior problema, enfim, é o significado das palavras que carregamos dentro de
nós.
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