15 de abril de 2013

Velhos somos nós mesmos




Semana passada uma mulher de 78 de idade me falou com pesar:
"Desde pequena sempre tive a sensação de que eu morreria cedo. Ainda penso assim, e isso me deixa assustada."
Então, perguntei qual era a idade dela. Ela me respondeu:  "Vou fazer 79 anos este ano."
"E você ainda acha que morrerá cedo depois de saber disso?", questionei sorrindo.
"Eu não consigo me ver velha. Você é quem vive me lembrando disso."
Rimos juntos e pedi que ela deitasse na maca para iniciarmos a sessão terapêutica.

Eu comecei a me sentir velho muito novo. Eu devia ter uns 35 anos. Aconteceu assim que as minhas filhas começaram a crescer. Acredito que isso tenha ocorrido por dois fatores. Primeiro, por uma noção de comparação. Sempre comparamos para ter referências. Se eu as via cada vez maiores e tendo opinião própria sobre tudo, percebi que eu já me enquadrava numa categoria, como o pai delas, de ser o mais velho.  Sendo assim, eu era também o velho delas. Segundo, pela visão delas sobre mim. Elas me viam como um mentor, minhas observações tinham peso para o comportamento delas. A ideia de que o velho é um modelo de experiências vividas.

O olhar do outro denuncia a nossa idade. É só estar atento a isso. Eu, por exemplo, hoje em dia, sou chamado de doutor, senhor, professor, em todos os lugares por onde passo. Lembro-me de quando eu era mais novo nunca ser chamado dessa maneira. Acredito que isso se deva exclusivamente a minha mudança física. Evidentemente, não mudamos somente o corpo, a estrutura muda também o comportamento, e vice-versa.

A forma física denuncia a nossa condição existencial, mas eu não me importo. Aliás, como eu poderia me importar para um fato irrepreensível. Não vejo razão para me sentir mal. É somente o modo como o outro me vê com o seu próprio olhar. E se me veem assim é simplesmente por uma questão heurística.

Durante o meu mestrado tive de elaborar exaustivamente os conceitos de envelhecimento e velhice para conseguir ver além dos rótulos. Ser velho é um conceito apenas. Podemos recriá-los, mas isso requer muito trabalho. Não é fácil mudar nossas sinapses. Descobri que se assim fizermos criamos paradigmas mais convenientes. Não vejo com bons olhos algumas pessoas mais velhas acreditarem em suas juventudes. Quando elas passarão a ter a verdadeira noção do próprio envelhecimento? Talvez nunca cheguem a pensar nisso. Penso que na medida em que pudermos procurar novas maneiras de conceber a realidade, seremos mais livres. É preciso fazer esse exercício diariamente, caso contrário estaremos fadados a reagir à realidade da maneira que nossa cultura nos permite.

Eu compreendo que não conseguimos nos ver velhos porque a palavra "velho" é uma palavra que vem carregada de conceitos negativos. As palavras nem sempre significam o que o senso comum determina. Por exemplo, a palavra "revolução". Essa palavra vem incutida de significados positivos, como avanço, mudança, progresso, continuidade, modernidade. Contudo, a palavra não quer dizer um salto à frente. Pelo contrário, ela vem do latim revolvere que demonstra um ato de revolver, rolar para trás, um retorno ao que era antes, ao ponto de partida, como nos movimentos cíclicos das marés. 

Falamos da ciência revolucionária, mas se a boa ciência é aquela a quebrar a continuidade a fim de avançar, então "revolucionária" seria a denotação oposta a isso.

Da mesma forma que envelhecer não pode ser revolucionário, porque é um movimento em direção ao fim. Seria por isso que as pessoas não gostam de falar - às vezes nem pensar - sobre o tema? Sim. O nosso inconsciente adaptativo busca modos de sobrevivência com alta qualidade. É uma espécie de sistema imunológico psicológico. Ele nos protege, mesmo que não sejam assertivas verídicas.

Segundo o psicólogo americano Timothy Wilson, o inconsciente adaptativo influencia diretamente a consciência para que nos sintamos bem. A consciência cria justificativas ideológicas a fim de nós mesmos nos convencermos de que uma ideia negativa possa se transformar em uma ideia positiva, mesmo que esta mesma ideia seja falsa, como no caso da senhora que ainda acha que morrerá cedo.

Outro dia eu disse a um homem de 82 anos, que guarda dinheiro com receio de precisar dele para tratamentos médicos na velhice: "Você sabia que está na velhice desde os 60 anos?". Ele retrucou: "Como assim? Você acha que eu já sou velho?". Então, dei a fatídica notícia a ele: "Somos velhos sociais a partir de 60 anos. Porém, se refletirmos mais profundamente, somos o velho enquanto houver uma pessoa mais nova que nós por perto."

O problema não é a velhice em si, e sim a falta de consciência sobre si mesmo. O maior problema, enfim, é o significado das palavras que carregamos dentro de nós.
   

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