27 de abril de 2013

Falar para ser ouvido





Todo som se espalha pelo ar. Nada pode ser ouvido enquanto não houver um receptor. Nada se pode afirmar sobre o barulho de uma árvore que cai a léguas de distância. Só se ouve o que está próximo. A proximidade pressupõe relacionamento. Sem pressão no ar não há percepção. As orelhas restritas aos outros, portanto, é uma escolha.

Atendo uma mulher que só quer falar, não se importa em ouvir. O seu mundo interno é barulhento. Ele está perto para deixá-la em silêncio. Seus pensamentos provocaram tantos ruídos que ela não escuta, fechou o canal de relacionamento. Isso começou muito cedo, ainda na infância, quando ninguém dava a ela a atenção devida. Ela teve de fazer sua vida sozinha. Os pensamentos foram suas únicas testemunhas.

Maria se sentia leve ao derramar suas palavras num ritmo nem um pouco profícuo. Para ela, o que importava era colocar para fora. Encontrou em mim a permissão de ser ouvida. Sempre me relatou que os outros se incomodavam com a sua fala. Porém agora ela não queria deixar de transbordar. Isso a aliviava. Suas palavras podiam afetar os outros, mas cada um tem o livre-arbítrio de se sentir incomodado ou não.

Muitas vezes tenho de interrompê-la, para estarmos juntos. Digo a ela que para estarmos em relação tem de haver pausa. Ela concorda, mas logo quer continuar, olha para o relógio com receio de não ter tempo para dizer tudo. Falo que o tempo nos pertence, mas ela não se contenta com pouco, precisa de mais, quer recuperar os anos pela busca do interlocutor.

Quando eu tento falar, ela se fecha, quer continuar o monólogo. Eu não me importo, pois entendo suas necessidades. A surdez dela tornou-se um álibi. Hoje ela quer se expressar sem precisar ouvir o outro. O problema é que ela perde a possibilidade de estar na companhia das pessoas. Ela afirma: "Já me acostumei sozinha". Se habituar com a solidão é um ganho na velhice, porém no caso dela a solidão é só uma afronta, ela cansou-se de ser julgada.

O maior problema numa relação é o julgamento e a falta de paciência de quem ouve. Todos querem falar. A ordem do dia é o direito de expressão. O que é preciso refletir é se estamos sendo habilidosos em nossas relações. Sem ouvirmos bem, pode acabar tendo ruído na comunicação. Interpretações impróprias provocam conflitos.

Não precisamos aceitar qualquer companhia, porém temos de saber nos portarmos como agentes passivos e ativos na relação. A comunicação é um ato humano, então temos de aprender a contrair (receber) quando o outro fala, e expandir (expressar) para o outro que se cala. Assim, podemos trafegar no contato, respeitar o silêncio que nos ouve, expressar a nossa verdade com generosidade.

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