26 de abril de 2015

Entrevista concedida à Revista VisãoPrev





  •       De onde vem esse hábito que temos que adiar a tomada de decisões?

A história de vida de cada um é formada por uma coleção de escolhas. Temos de decidir sempre. Ao acordar, já temos de decidir se vamos levantar da cama ou ficar mais um pouco curtindo a preguiça. Decidir está relacionado com a motivação. Se algo nos motiva, queremos nos mover em direção ao objetivo. Motivação é um movimento interior a nos propiciar o movimento exterior por intermédio do corpo. Nada surge de fora. Podemos ter o convite mais atraente, mas se aquilo não significar algo para nós, não teremos a motivação para agir. Daí, ficamos inertes, adiando a decisão. Contudo, o que muitos esquecem, é que o não agir é também uma escolha.
A vida nos apresenta constantemente pontos de bifurcação. Neles, nós temos de escolher, se vamos por uma estrada ou por outra. O interessante é que ao optar por uma, temos de nos desapegar da outra. De um modo geral, o desapego é um grande problema para as pessoas. Elas querem tudo, mesmo sabendo que isso não é possível. Elas insistem e se frustram por não conseguirem. E, quando não conseguem, acreditam que não são boas ou capazes o suficiente para obter sucesso na vida.
O problema é que nem tudo é para nós. Como na citação em Coríntios:  "Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. "Tudo me é permitido, mas eu não deixarei que nada domine.”   
Se eu não sei quem é que está fazendo a escolha, fica difícil saber se aquela estrada será a melhor opção. Muitas vezes, as pessoas seguem determinados caminhos que não são os melhores para elas. 


  • Por que isso acontece?

Porque não foram elas que escolheram, e sim foram influenciadas por outros. Um exemplo típico; as pessoas são condicionadas, desde cedo, a trabalharem muito para adquirir seus “objetos de desejos”. O que elas não sabiam é que ir além dos próprios limites poderia provocar estresse e, consequentemente, doença. Vejo constantemente em minha prática profissional, pessoas mais velhas que se esforçaram muito durante toda a vida para obter coisas. Elas se desgastaram tanto que acabaram por ficar doentes, e, hoje, gastam a fortuna adquirida para pagar tratamentos.
Não creio que essa tenha sido a melhor escolha. Mas, elas acreditaram nisso, porque pensaram que assim seriam felizes. Quando pergunto se elas mudariam o passado, elas afirmam que sim. Fariam tudo com mais parcimônia.      
O problema é que nem sempre sabemos qual o melhor caminho seguir. Costumo dizer que sempre é mais fácil olhar pelo retrovisor do carro e ver a estrada percorrida do que saber o que vem depois da curva.  Atualmente, vivemos num mundo com muitas opções, e ninguém quer deixar de lado um caminho. Principalmente se este caminho já se constituiu como zona de conforto, ou melhor, o hábito adquirido. A vida pode estar ruim, mas é melhor não arriscar o novo.
Escolher o caminho ainda não percorrido é mudar de fato. O novo caminho é sempre uma oportunidade para o conhecimento, enquanto continuar na mesma trajetória é reconhecer o que sempre foi.  


  • O mesmo vale para o hábito de procrastinar que você citou quando falamos? O que é diferente ou igual nesse caso?

Um hábito é a formação de um padrão neural. O cérebro precisa economizar energia. Vamos sempre formar hábitos. Imagine se não formássemos hábitos. Sempre teríamos que reaprender o aprendido. Gastaríamos muita energia. Ao formarmos o hábito de dirigir, por exemplo, ficamos livres para pensar em outras coisas enquanto dirigimos. Formar hábito é criar automatismos. Contudo, os hábitos devem ser revistos constantemente, porque nem todo hábito é positivo.
A procrastinação, por exemplo, pode se tornar um hábito negativo. Algumas pessoas procrastinam porque tendem a ser ansiosas e com baixa de autoestima. Gosto de definir a ansiedade com uma imagem: duas pessoas competindo entre si em um cabo de força, puxando uma corda. O pensamento se faz da seguinte maneira: “Eu quero isso, mas posso me ferir”.  Os procrastinadores têm um nível de consciência baseado em ideias de perfeição, em vez de apreciação realista de suas obrigações e potenciais. Eles não saem do lugar, porque estão sempre em dúvida.  Procrastinar é estar constantemente em dúvida e inseguro quanto à decisão a ser tomada, o que gera angústia com relação aos resultados.   
A procrastinação pode gerar a falta de motivação para o indivíduo com relação a tudo na vida dele. Quando se perde a motivação, perde-se a satisfação. Em suma, o procrastinador é um indivíduo insatisfeito.
   

  • Essa “tendência” tende a piorar com a idade?

É importante salientar que a nossa sociedade tem uma ideia muito equivocada sobre o envelhecimento. Em nossa concepção sociocultural, tudo que passa no tempo tende a ficar pior. O que não é verdade. Durante anos venho apresentando em palestras e também em meus livros sobre o envelhecimento, que podemos pensar de outra maneira, uma que seja mais libertadora. Porém, tudo depende de como o indivíduo nutre suas crenças ao longo dos anos. Temos crenças positivas que precisam ser reforçadas e crenças negativas que devemos parar de nutrir para que elas morram de fome.James Hillman, um grande analista junguiano, possui uma concepção interessante sobre o caráter humano. Ele afirma que o caráter vem formando o nosso rosto, nossos hábitos, nossas amizades, o nível de nossa ambição com a carreira. O caráter irá influenciar a maneira pela qual damos e recebemos. O caráter vai conosco para casa à noite e pode nos manter acordados. Isto é, ao envelhecermos vamos fortalecendo o nosso caráter. Isso significa que essa pessoa que viemos a ser já éramos há anos. Portanto, se na juventude fomos procrastinadores, e nada fizemos para mudar, com certeza seremos velhos especializados em procrastinação.


  • O que muda com a idade em relação a esse tema?

     O que pode mudar é o que você decidir mudar. Toda mudança começa e termina em você, aqui e agora. Não há outro tempo para se viver senão este em que você lê essas palavras. Envelhecer é transformar-se. A lei da vida é mudar. Mudamos tanto que se não prestarmos atenção não nos reconhecemos mais. Infelizmente, conheço muitas pessoas que nunca pararam para pensar na própria vida. Esse é um outro motivo de elas se sentirem tão mal na velhice. 


  •     Existe uma perda em nossa capacidade de discernir ou fazer escolhas mais adequadas com o passar do tempo? Por quê? O que ocorre?

     Quem disser que viver é fácil deve estar alienado da vida. Viver não é algo simples. A cada nova experiência existe algo aguardando por nossa compreensão. Viver é como decifrar códigos secretos de nós mesmos. Assim, a vida se torna uma grande jornada. Porém, tudo é uma questão de ponto de vista. Os imprevistos acontecem em nossas vidas, muitas vezes não entendemos o porquê, mas a maneira que reagiremos em relação a eles, será simplesmente uma escolha.
       Trabalho com pessoas acima de 60 anos de idade há mais de 27 anos. Eu conheço pessoas que não conseguem fazer escolhas adequadas porque nunca quiseram decidir, sempre tiveram pessoas para decidir por elas. Esse tipo de caráter é comum. Um exemplo, são aquelas senhoras que vão a uma consulta médica com a filha, e quem fala dos sintomas da senhora é a filha e não ela mesma.
       Também conheço pessoas que sempre decidiram tudo no tempo certo. Não fazem questão de saber se foi certo ou errado a escolha passada, porque assumem a responsabilidade. Isso é o que a palavra quer dizer: a habilidade em dar respostas por seus atos.         


  •      É possível fazer algo para evitá-la? O quê?

     Não nascemos prontos. Liberdade, autonomia e responsabilidade são aprendidas, e devem ser exercitadas. É preciso ter consciência do que se quer. Saber quem é o sujeito que faz a escolha.  Essa consciência só é adquirida por meio da reflexão. Como dizia Sócrates (469 a.C. - 399 a. C.): “Uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida”. Acho que ele queria dizer que viver sem pensar sobre si mesmo é levar uma vida tão vulnerável ao acaso e tão dependente das escolhas e ações de terceiros que pouco valor tem para a pessoa que a vive. Portanto, acredito que a tomada de decisão começa agora. Façam suas apostas... 

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