22 de junho de 2010
Onde está o corpo?
No livro A mente e o significado da vida, eu inicio com uma pergunta: “Ao apertar a sua mão o que você sente? A sensação está na mão ou no cérebro?”. Caso não reflitamos, a resposta pode até parecer simples. Você pode dizer que sente na mão, é claro, uma vez que a mão foi tocada. Todavia, a resposta não é tão simples assim.
Para eu sentir, estruturas biológicas complexas precisam estar prontas ao processamento da sensação. Isto é, eu preciso de um cérebro organizado. Em minhas aulas de neurociência costumo mostrar que toda sensação é um simulacro, uma reprodução abstrata do território, no caso o corpo. Ao sentir a minha mão, eu gero um modelo do real, sem realidade.
Logo na introdução do livro eu uso um koan. O koan é um enigma zen usado na prática Rinzai para se atingir à iluminação. Eles não podem ser resolvidos pelo raciocínio lógico. Para tentar resolvê-lo o aprendiz deve ir além do raciocínio dedutivo. Existem vários koans, um dos mais conhecidos é: "Qual o som de uma única mão ao bater palmas?".
A pergunta inicial se parece um koan, e não há resposta linear para ela. Se na neurologia pudéssemos usar koans zens poderíamos fazer essa pergunta da seguinte maneira: ao apertar sua mão onde está a sua mão, no cérebro ou no lugar dela? Pode parecer brincadeira, mas se filosofarmos um pouco será que poderíamos responder com certeza onde está o nosso corpo?
Atualmente, sabemos mais sobre as redes neurais, e o modelo do cérebro não pode ser pensado somente pela neurofisiologia clássica, sem cair em desgraça do erro. É preciso ir além, buscar na filosofia algumas pistas. Então, tentarei uma resposta, a qual não está no meu livro, porque só cheguei a ela agora.
Quando sinto algo tocar o meu corpo, tenho um estímulo nos receptores da pele da mão, e vários outros no arcabouço de conexões sinápticas (redes de neurônios). É na sincronia mapa e território que chegarei à sensação. O mapa (representação da mão no cérebro) não é o território (mão). Porém, é na atividade sincrônica entre ambos que me fará compreender e localizar o estímulo. Para simplificar, é como ver a imagem de alguém no Japão, em tempo real, pelo Skype. Sei que aquela pessoa (território) não está próxima a mim, e sim a quilômetros de distância. Porém, aos poucos, durante a conversa, ela passa a estar em mim (em meu mapa mental), e não fora. Isso significa que a imagem é real para mim.
É como me ver no espelho. A imagem refletida longe de mim sou eu, porque tenho o conhecimento (cognição) disso, pois sou apresentado a mim todos os dias quando me olho no espelho do banheiro. Lá, estou eu, e sei que também estou aqui, fora do espelho, como um espectador de mim mesmo. Então, a imagem refletida é como o meu corpo se mostra para mim, e eu o sinto duplamente, dentro e fora do espelho. Do mesmo modo, quando sou tocado, a parte tocada é a imagem refletida para o meu cérebro, que interpreta a sensação. Portanto, para haver sensação, tem de ocorrer interação entre o mapa e o território.
Enfim, a discussão é complexa, sem deixar de ser estimulante.
Aprendemos a confiar em nossos sentidos, e pelo o que parece eles não são tão confiáveis assim. Da próxima vez que você procurar o seu corpo, saiba que você não tem um corpo, tem apenas um simulacro dele.
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