Luz e Sombra
Para ser bom é preciso fazer um exercício diário. Não nascemos bons ou maus. Porém, a nossa sociedade normótica nos faz cair em tentação o tempo todo. É preciso mais reflexão, dobrar sobre si mesmo, e olhar os bolsos para verificar se não estamos carregamos muitas autojustificativas de nossas bondades. Conheço pessoas que dizem fazer caridade, mas o que elas na verdade estão fazendo não é caridade, e sim dando brilho no ego. Caridade é satisfazer a necessidade do outro, e não a própria. O bom samaritano é aquele que não pensa em ser bom, ele se comporta naturalmente. Mas para isso é preciso fazer o movimento de revolta (voltar novamente) inúmeras vezes. Temos de voltar para o centro e lá recolher o melhor de nosso self (arquétipo divino), para depois retornar para a periferia, experimentar junto ao outro.
A ética, por exemplo, só a conhecemos quando o outro se coloca à nossa frente. Antes disso, é apenas conjectura, idealização, ilusão. Por isso, muitas vezes, ouvimos palavras engrandecedoras de nossos professores, ao mesmo tempo em que nos surpreendemos com as suas falhas no dia-a-dia. Ficamos chocados com a incapacidade dessas pessoas em serem melhores, uma vez que elas pareciam ter tanta facilidade. Achamos, pela lógica, que pelo fato de elas falarem sobre o bem elas praticam o bem. Deveria ser assim, mas não é. Como disse Renny de Gourmont: “A lógica é boa para raciocínios, mas na vida não serve para nada”. Porque temos as nossas sombras. Tudo aquilo que não gosto em mim coloco nos escombros de meu ser para que lá fique. É como empurrar a sujeira para debaixo do tapete, e esperar a visita chegar.
Então, quando ouvirem algo de engrandecedor, saibam que quem fala pode também ter uma grande sombra prestes a emergir. Não espere comportamentos heroicos dos outros. Tentem ser melhor do que se é, sem deixar de perscrutar a escuridão. Isso me remete a história do homem que buscava a chave de seu carro perto de uma esquina iluminada. O guarda chegou e perguntou: “O que você está fazendo aí?”. Ele respondeu: “Eu perdi a chave do carro”. O guarda questionou: “Este é o seu carro?”. O homem respondeu que não, o carro dele estava no outro lado da rua. O guarda olhou e perguntou então o que ele estava fazendo agachado ali. O homem se levantou e disse: “É porque aqui tem luz”.
É mais fácil procurar nos locais iluminados, mas nem sempre o que procuramos iremos encontrar lá. Esse é o problema da consciência e da sombra. A consciência é a luz, a sombra a escuridão. Não conseguimos enxergar na escuridão, mas temos uma saída. A parte escura de nós mesmos é projetada para fora na crítica negativa. Se os outros são nossos espelhos, é neles que vemos aquilo que está em nós e não aceitamos olhar. Pode parecer absurdo, mas somos enganados por nós mesmos na tentativa de ser bons. Vivemos numa dualidade. A vida é assim. Portanto, para sermos plenos não devemos excluir aquilo que nos contrasta, mas receber isso como um exercício diário de nosso aprimoramento. Só podemos fazer isso quando nos tornamos observadores de nós mesmos, sem autocrítica negativa, simplesmente colocando nossas atitudes no tribunal da razão.
Não fomos educados a criticar o conhecido. Até mesmo porque o conhecido nos dá segurança. Não queremos nos arriscar. Entretanto, para alcançarmos o autoconhecimento temos de questionar tudo pelo caminho. Assim identificamos a direção do vento.
Continua amanhã...
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