29 de maio de 2011

Frio na serra



Manhãs frias na serra são convidativas a um bom café da manhã; pão quentinho com manteiga derretida, cheiro de café feito em filtro de pano, mãe rechonchuda a fazer as guloseimas, mingau de farinha láctea. Se o frio for intenso, feche a porta da cozinha e coma uma gemada com leite fervendo. Não se esqueça de colocar o chinelo, não pise no chão frio, faz mal. Agasalhe-se bem e se prepare para enfrentar a chuva fina e rajadas de vento intercorrente. Lembre-se do guarda-chuva. Mantenha-se aquecido!

São memórias de lembretes e conselhos de mãe para um dia de frio qualquer. As lembranças brincam com a atitude situacional do corpo. O que sinto agora ao olhar outra paisagem nada mais é do que pensar com a imagem do presente, mas com sentimentos do passado. Pensar e sentir são indissociáveis. Não pensamos sem sentimento, e a emoção irrompe para talhar uma marca no corpo, consolidando a memória de uma experiência. É fácil guardar o que sentimos, e esquecer o que pensamos. As lembranças nos fazem ser e sentir no presente do jeito que foi vivido no passado. Só o que precisamos ter é um cenário semelhante, para daí surgir uma cascata de sentimentos, colorindo a nova experiência. Muitas vezes me questiono se o que vivo hoje é de fato novo, ou simplesmente um reviver.

Contudo, fica difícil saber se somos outros, uma espécie de ser atualizado, adulto, ou se somos os mesmos da infância passada. A criança não desaparece, ela se revela ao viver um padrão conhecido. Reconhecimento é viver novamente o conhecido, uma oportunidade de sair de nós mesmos, hoje na figura de adulto, para brincar de lembrar e bendizer as cenas vividas.

Sair de um padrão conhecido não é tarefa fácil, nem sabemos se conseguimos. Por isso, a dificuldade em mudar. Ao envelhecer mudamos o corpo, mas os sentimentos de todas as épocas continuam a trafegar por nossos pensamentos. Por isso, as pessoas têm tanta dificuldade em perceber que envelhecem. Elas se sentem as mesmas. O corpo sinaliza uma mudança, mas guarda em si, em cada traço, em cada ruga, em cada dobra do corpo, o mesmo ser de sempre.

Como avançar se carregamos um passado ainda presente? Podemos seguir adiante com aquilo que nos representa. Tudo depende de como cada um consegue compreender o que se viveu. Vamos somando novos viveres, colocando cada experiência em nossas malas cheias de conteúdos de história. A nossa identidade depende disso. Por isso só nos resta lembrar; do dia que estávamos perto daqueles que não estão mais por aqui, das risadas e brincadeiras, dos cheiros e das cores, do toque frio do vento, do sorriso de carinho da época que também já se foi. Porém, uma época que deixou rastros em nosso corpo, marcado por sentimentos e nos formando para ser do jeito que somos.  

Não sinto mais o frio da serra. Sinto-me aquecido de lembranças.


Um comentário:

  1. Pedro estou sempre viajando no tempo e volto muitas vezes para minha casa no alto pegado vou direto a casa de meus bisavós, chego a sentir o cheirinho de tudo, principalmente das guloseimas que ficavam na cristaleira da casa de minha bisa, olha vou do doce ao éter que meu bisa Antonio usava em sua moléstia...Somos ligados ao passado pelas coisas que hoje não existem mais...Pelo menos na atualidade de nossos filhos.Procuro ensina-los isso pq é muito gostoso, vc é lindo em suas palavras sempre.

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