16 de agosto de 2011

Seja um bom provocador do seu destino



Lidar com o sofrimento dos outros é um grande desafio com tamanho nível de responsabilidade para um terapeuta. Os grandes sofrimentos têm origem num único ponto: Não deixar ir o que já se foi. Isso porque qualquer sofrimento deixa uma marca no corpo. O corpo precisa perdoar para começar de novo. Não basta tomar consciência do problema se o corpo ainda estiver machucado. É necessária a renovação do corpo, uma nova organização, para ele voltar a ser um corpo vivo. Sofrimentos do tipo: aquilo que não se pode trazer de volta como a morte ou o amor abandonado, a vida que perde sentido por causa de desejos frustrados, a traição de alguém próximo e amado, perda do poder sobre os outros. Existem muitos outros, mas todos os problemas estão na experiência passada, fixados no presente incessante.
Aqueles que sofrem buscam uma palavra como chave para abrir a porta do sentir-se bem, mas ninguém pode dar o que não se teve como experiência. Cada um vive a experiência de modo individual. Mesmo que eu tenha tido uma vivência semelhante, não pude ter os mesmos sentimentos da outra pessoa. Portanto, a chave não pode ser dada nem pelo melhor terapeuta, se o sofredor não estiver apto para encontrá-la sozinho. Mesmo que o terapeuta pense saber o que o outro busca, ele não é o outro que está buscando.
Como terapeuta do corpo me coloco ao lado do outro para procurar junto, sendo parceiro na busca. Eu posso achar que encontrei o que o outro busca, mas aquilo não é meu. Sendo assim, não sei se estou certo, porque o que é do outro não me pertence, está no universo pessoal, no mundo não consensual. Estou fora deste círculo fechado. O outro constrói ao longo dos anos suas fronteiras, seus muros altos, e lá permanece sozinho. Até o dia em que começa a sofrer por não mais se perceber, e o corpo sinaliza que é hora de se abrir, ou poderá morrer.
Muitos me procuram para se sentirem bem, obviamente. Contudo, ficam perplexos ao se perceberem num processo de rememoração, como se tirassem um retrato pela máquina do tempo. As histórias pululam num incessante jogo de rememorar. Isso porque o corpo é história e, sendo assim, ele forma enredos imiscuídos de sentimentos variados, sem razão ou coerência, em todas as suas entranhas.
O corpo não julga, ele simplesmente se constrói pelos acontecimentos. Chega um momento em que os nós já estão elaborados pelo corpo dolorido de tanto tentar sair de si mesmo em busca do bem-estar, mas a saída é deveras sofrida, porque para se chegar ao bem-estar terá de passar pelo mal-estar, relembrar, mesmo que não conscientemente, de si mesmo. Isso é sempre um risco. Por isso, a mudança é sempre um ato de coragem.
Se existem sintomas é porque há o que ser rejuntado. O incômodo justifica a falta daquilo que se deixou pelo caminho sem elaboração. Elaborar ajuda a abandonar o peso dos acontecimentos. Seguir em frente sem olhar para trás é ainda um meio de se flexibilizar na vida, porém corpos rígidos não conseguem sair de suas dores, porque elas já fazem parte da personalidade há muito tempo.
Muitas vezes me deparo com o sofrimento pernicioso, aquele que gera significado para o sofredor. Ele perdeu tudo na vida, e só consegue manter o sofrer. Isso se justifica, porque lhe dá um novo papel (persona), um papel de vítima conformada.
Como ajudar a tirar a máscara do sofredor? Ele não mais reconhece a si mesmo como uma pessoa que caminha. Ele está ancorado no passado. O importante é mostrar que a sua trajetória na vida é contínua, então ele pode escolher novas ruas, aquelas nas quais não teve coragem de seguir. As ruas iluminadas vão dar no mesmo lugar de sempre. Antes é preciso seguir pela escuridão de si mesmo. Pode assustar no início, mas o desconhecido é uma possibilidade. Ele não deve repetir os mesmos padrões, porque a repetição não o faz avançar, só perpetuar o seu sofrer.
Cada vez mais observo que estar bem é uma provação, e só os mais corajosos conseguirão lograr este caminho. Não é boa estratégia acreditar que os outros são os culpados pelo seu sofrimento, e sim pensar que é você mesmo o provocador de seu próprio destino.     

Um comentário:

  1. Graça21:58

    Você tem toda a razão. Como nos disse Saint-Exupéry: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". Pelo bem e pelo mal. Nos resta seguir, buscando novas ruas, novas experiências, sempre e eternamente responsáveis por aquilo que cativamos.

    ResponderExcluir