Hoje
pela manhã falei para mim mesmo: "Você está na meia-idade, época em que se
ouve o chamado. Você está mais para a força do trabalho do que para o chamado.
Será que há algo errado com os deuses ou comigo mesmo?". Subitamente, li a
seguinte frase num livro: "Colocamos as mãos diante dos olhos e gritamos
que está escuro". Achei a frase providencial, mas não pude entendê-la como
precisava. Tomei o café da manhã e abri os meus e-mails. Recebi de uma amiga um
vídeo de uma palestra de Bunker Roy, da Universidade dos Pés Descalços. Na
palestra, Bunker (traduzindo do inglês o nome dele indica exatamente o que este
homem é, uma muralha defensiva). Bunker Roy é um indiano plácido que teve a
melhor educação na Índia, tinha o mundo a seus pés, mas decidiu ajudar àqueles
que têm fome em aldeias afastadas. Ele, então, se preparou para o improvável,
decidiu construir uma universidade onde as pessoas aprenderiam sem professor
com qualificações. Lá, o professor poderia ser o aluno, a pessoa aprenderia com
a experiência do outro. Quem tivesse mestrado ou doutorado não poderia ser
professor. Assim, homens analfabetos construíram a universidade, desenvolveram
um sistema de energia solar, criando história para o mundo todo. Havia na
universidade os melhores arquitetos analfabetos, os melhores engenheiros
analfabetos, dentistas analfabetos, e assim por diante. Com a experiência
dessas pessoas, aldeias da cercania podiam também obter melhorias na qualidade
de vida para seus moradores. Eles foram se desenvolvendo e precisavam espalhar
o conhecimento aprendido.
Isso
sim é a verdadeira ciência, do latim scientia, o conhecimento com
consciência. A ciência com consciência vem temperada com reflexão, é um salto
de qualidade, é ir além do que os livros mostram, é a experiência viva de quem
a viveu. Ninguém precisa de certificados para poder repartir o que se vive.
Hoje, infelizmente, nas universidades, é preciso ser profissional de sala de
aula. Só o que se sabe é o que se lê, e só se aprende o que se copia. Não há
reflexão. A prerrogativa é clara; nenhuma experiência subjetiva pode estar nos
artigos científicos, porque a história de vida do autor não tem valor. Por
isso, não se pode escrever na primeira pessoa. Ou seja, se existe gente não
existe ciência. O que se tem nos artigos científicos são letras mortas.
No
meu primeiro livro, "Envelhecer: histórias, encontros e
transformações", eu demorei a entender o que minha editora dizia: "O
seu trabalho é bom, mas é muito acadêmico". Fiquei aborrecido porque se
existia um "mas" significava que não estava totalmente bom. De fato,
eu queria que o trabalho fosse perfeito, sem brechas. Ledo engano. Só depois do
segundo livro passei a compreender o que ela dizia. Era simples: "Escreva
para as pessoas e não para ninguém". Finalmente fui entender que o academicismo
é escrever para ninguém, porque não tem vida. Mesmo que as pessoas achem
enfadonho ler um artigo científico, elas dão valor ao "rigor
acadêmico". Essa petulância é o que ainda move as instituições de ensino,
o que atravanca o conhecimento do humano, e para o humano. O que adianta
aprender se o que aprendemos não pode ser compartilhado?
Nos
meus últimos suspiros como professor acreditava que eu devia ser como os
pescadores. Eles pescam seus peixes (conhecimento), para depois contar
(ensinar) aos outros como (metodologia) foi a experiência. Gostava de contar
histórias aos meus alunos, mostrando a eles que podemos ajudar aos outros com
as nossas experiências de luta, resignação, paciência e superação. Eu acreditei
que isso era formar, porque só formamos por inteiro.
Bem,
após duas ocorrências na manhã de hoje me vi questionando: "Será que estou
a trabalhar muito para não ouvir o chamado?". Porque quando trabalhamos
muito temos a tendência a anestesiar nossos sentidos, ficamos voltados para o exterior.
O que eu preciso ver e ouvir, sentir e perceber? Essa pergunta me fez retornar
aos meus sete anos de idade. Naquela época já tinha claro o meu objetivo de
vida, eu queria ajudar as pessoas a encontrar sentido na vida delas. Não sabia
ao certo o que era o sentido da vida. Atualmente sei que o sentido da vida é o
encontro com nós mesmos, ele é subjetivo e intransferível, cada um tem o seu.
Ter sentido é sentir o solo firme e saber seguir os próprios passos com ciência,
não esquecendo nunca de compartilhar o aprendizado com os outros.
Pedro construa a sua igreja sobre uma rocha...Pedro Paulo você faz jus ao seu mandato e o faz com lentidão, sem pressa , seus devaneios estão sempre fincados em sua raiz, o que o faz um filho sábio e de grandeza sonora, pois se faz soar como uma toada a nos acalmar quando estamos inquietos.Por nunca estar em estado de torpor...São exatamente 2:36 da manhã e eu estou aqui aprendendo com seus conceitos sempre definidos em encontros e reencontros por questão de conceber você em minha vida como uma pessoa mais que especial."Um ser que está na terra para fazer a diferença"Pedro você construiu a sua morada sobre uma rocha, tenha certeza que está no caminho da fé que deposita em ti.
ResponderExcluirOi, Pedro. Estava revisitando seu blog garimpando nos seus textos pontos interessantes para levar para os meus alunos. Deparei-me com "O ciclo invertido". Você anteviu o enredo do filme O Curioso Caso de Benjamim Button? rs. Tão simbólico é o desfecho daquele texto...
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