As nuvens encerram o azul celeste. A
chuva se precipita ao longe. Será que chove? Ninguém pode afirmar. Nada é certo
na mudança. Mas que tudo muda, sem dúvida, muda. Tenho de aprender a ser
diferente nessa continuação indefinida. Se tudo muda, só me resta me desarmar
de minhas certezas. Se a minha realidade não é nada mais nada menos do que a
projeção de meu cenário mental, então só tenho de saber me livrar de minhas
certezas. Ter certeza é estar preso a estereótipos. Pela mudança contínua não
posso me segurar aos mesmos comportamentos de outrora. Sendo assim, minhas
crenças nada mais são do que um modus
operandi a me dar referências. É sábio revê-las, questioná-las, reinventá-las.
Nem sempre elas são as melhores escolhas para a minha vida atual. Elas podem
ser crenças de outros. Já descobri em mim várias crenças que não se coadunavam
com a minha maneira de pensar o mundo. Consegui compreender que o meu conflito
estava em ter de levar a vida de meus pais, enquanto quem vivia não eram eles,
mas sim eu mesmo. Inconscientemente queria viver a vida deles, a vida que
aprendi ser a melhor para mim, mas de fato não era.
Tenho os meus radares sensoriais
espalhados pelo corpo a captar (daí a origem da palavra “percepção”) o mundo. Concomitantemente
tenho minhas imagens mentais. Estas determinarão o que vejo, ouço; enfim,
sinto. Em suma, o lá fora é o aqui dentro. Só sei o que se mostra pela escolha
de minhas imagens mentais. As crenças são imagens também. Sinto o mundo através
de minhas crenças. O real, nesse sentido, é uma escolha não consciente e
padronizada.
Ainda é difícil acreditar que a
realidade não é tão firme como pensava. Entendo agora, após conhecer melhor a
teoria quântica, que nada é o que parece ser. Existe um background inacessível
à consciência. Mesmo que eu possa saber ao certo sobre alguma coisa, isso muda,
deixando de ser. É como ver um trem passar pela estação, ele deixa de ser trem
para ser somente uma lembrança da passagem.
Tudo é representação mental. A realidade
se forma em minha mente, portanto é um construto de minha subjetividade. As pessoas
que se aproximam de mim, o lugar onde estou, e as coisas com as quais entro em
contato e penso possuí-las. Tudo isso nada mais é do que representação. Uma espécie
de espectro criado para dar sentido para a minha vida.
Ontem tive uma experiência
reveladora. Uma mulher de 80 anos me procurou para uma avaliação. Ela foi até o
consultório com a filha. Quando abri a porta percebi no rosto da filha certa
irritabilidade por estar ali. Ela logo começou a dizer que a mãe era muito
problemática: “Ela tem tudo do bom e do melhor, mas vive reclamando de doença”,
e continuou: “Ao invés de pensar em viajar para se distrair, ela só fica em
casa reclamando e chateando os outros. Eu não tenho tempo para ficar escutando lamentações”.
Quando a filha se silenciou, subitamente eu me lembrei de no passado tentar uma
saída alternativa para os lamentos de minha mãe. Quis fazer de tudo para libertar
minha mãe e, consequentemente, me aliviar também. Eu nunca consegui. Hoje, o
meu cenário é o mesmo de antes. Eu continuo a tentar libertar minha mãe através
de outras mães e de seus filhos angustiados. Eu estou no outro. Conheço bem a
cena porque pude vivenciá-la durantes anos. O problema não é esse. Isso até me
dá certa competência para realizar o meu trabalho. O problema é pensar que
continuo tentando salvar a minha mãe. Isso só reforça o que tenho lido no livro
de Timothy D. Wilson, “Strangers to ourselves”. Sempre achei que a escolha de
minha carreira profissional tinha sido em decorrência de querer ajudar as pessoas
a se sentirem menos limitadas, livres para seguir os próprios passos. Mas, como
Timothy D. Wilson escreve: “Todos os seres humanos são cegos para as causas de
suas escolhas e, portanto, têm um confabulador
que inventa motivos”. Quem escolhe primeiro são as nossas imagens inconscientes,
para depois a consciência arrumar uma justificativa para tal escolha.
Penso se eu não seria mais feliz se pudesse
ter escolhido minha carreira profissional por mim mesmo, sem influências de meu
vivido relacional. Isso só é mais lucubração. Nada pode ser diferente daquilo
que nos marcou. Sou um ser incerto nas trilhas incertas da minha vida. Sou um
desconhecido para mim mesmo. Só tenho aquilo que sou. Ninguém pode escapar do
próprio destino. Não me refiro ao destino como algo místico, mas como uma
estrada repleta de bifurcações, uma complexidade. Vejo o destino como um
aprendido inconsciente. Ele nos permite a adaptação. A existência de cada um é mais
importante do que o porquê e o como.
Se eu posso compreender assim, mesmo
duvidando, tenho a capacidade de me reinventar. Olhar para o dia chuvoso que
está por vir e saber que lá por trás das nuvens baixas existe ainda um céu azul
brilhante, grandioso e infinito em sua beleza.
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