20 de setembro de 2012

Sempre restará uma esperança






As nuvens encerram o azul celeste. A chuva se precipita ao longe. Será que chove? Ninguém pode afirmar. Nada é certo na mudança. Mas que tudo muda, sem dúvida, muda. Tenho de aprender a ser diferente nessa continuação indefinida. Se tudo muda, só me resta me desarmar de minhas certezas. Se a minha realidade não é nada mais nada menos do que a projeção de meu cenário mental, então só tenho de saber me livrar de minhas certezas. Ter certeza é estar preso a estereótipos. Pela mudança contínua não posso me segurar aos mesmos comportamentos de outrora. Sendo assim, minhas crenças nada mais são do que um modus operandi a me dar referências. É sábio revê-las, questioná-las, reinventá-las. Nem sempre elas são as melhores escolhas para a minha vida atual. Elas podem ser crenças de outros. Já descobri em mim várias crenças que não se coadunavam com a minha maneira de pensar o mundo. Consegui compreender que o meu conflito estava em ter de levar a vida de meus pais, enquanto quem vivia não eram eles, mas sim eu mesmo. Inconscientemente queria viver a vida deles, a vida que aprendi ser a melhor para mim, mas de fato não era.

Tenho os meus radares sensoriais espalhados pelo corpo a captar (daí a origem da palavra “percepção”) o mundo. Concomitantemente tenho minhas imagens mentais. Estas determinarão o que vejo, ouço; enfim, sinto. Em suma, o lá fora é o aqui dentro. Só sei o que se mostra pela escolha de minhas imagens mentais. As crenças são imagens também. Sinto o mundo através de minhas crenças. O real, nesse sentido, é uma escolha não consciente e padronizada.

Ainda é difícil acreditar que a realidade não é tão firme como pensava. Entendo agora, após conhecer melhor a teoria quântica, que nada é o que parece ser. Existe um background inacessível à consciência. Mesmo que eu possa saber ao certo sobre alguma coisa, isso muda, deixando de ser. É como ver um trem passar pela estação, ele deixa de ser trem para ser somente uma lembrança da passagem.

Tudo é representação mental. A realidade se forma em minha mente, portanto é um construto de minha subjetividade. As pessoas que se aproximam de mim, o lugar onde estou, e as coisas com as quais entro em contato e penso possuí-las. Tudo isso nada mais é do que representação. Uma espécie de espectro criado para dar sentido para a minha vida.

Ontem tive uma experiência reveladora. Uma mulher de 80 anos me procurou para uma avaliação. Ela foi até o consultório com a filha. Quando abri a porta percebi no rosto da filha certa irritabilidade por estar ali. Ela logo começou a dizer que a mãe era muito problemática: “Ela tem tudo do bom e do melhor, mas vive reclamando de doença”, e continuou: “Ao invés de pensar em viajar para se distrair, ela só fica em casa reclamando e chateando os outros. Eu não tenho tempo para ficar escutando lamentações”. Quando a filha se silenciou, subitamente eu me lembrei de no passado tentar uma saída alternativa para os lamentos de minha mãe. Quis fazer de tudo para libertar minha mãe e, consequentemente, me aliviar também. Eu nunca consegui. Hoje, o meu cenário é o mesmo de antes. Eu continuo a tentar libertar minha mãe através de outras mães e de seus filhos angustiados. Eu estou no outro. Conheço bem a cena porque pude vivenciá-la durantes anos. O problema não é esse. Isso até me dá certa competência para realizar o meu trabalho. O problema é pensar que continuo tentando salvar a minha mãe. Isso só reforça o que tenho lido no livro de Timothy D. Wilson, “Strangers to ourselves”. Sempre achei que a escolha de minha carreira profissional tinha sido em decorrência de querer ajudar as pessoas a se sentirem menos limitadas, livres para seguir os próprios passos. Mas, como Timothy D. Wilson escreve: “Todos os seres humanos são cegos para as causas de suas escolhas e, portanto, têm um confabulador que inventa motivos”. Quem escolhe primeiro são as nossas imagens inconscientes, para depois a consciência arrumar uma justificativa para tal escolha.

Penso se eu não seria mais feliz se pudesse ter escolhido minha carreira profissional por mim mesmo, sem influências de meu vivido relacional. Isso só é mais lucubração. Nada pode ser diferente daquilo que nos marcou. Sou um ser incerto nas trilhas incertas da minha vida. Sou um desconhecido para mim mesmo. Só tenho aquilo que sou. Ninguém pode escapar do próprio destino. Não me refiro ao destino como algo místico, mas como uma estrada repleta de bifurcações, uma complexidade. Vejo o destino como um aprendido inconsciente. Ele nos permite a adaptação. A existência de cada um é mais importante do que o porquê e o como.

Se eu posso compreender assim, mesmo duvidando, tenho a capacidade de me reinventar. Olhar para o dia chuvoso que está por vir e saber que lá por trás das nuvens baixas existe ainda um céu azul brilhante, grandioso e infinito em sua beleza. 

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