12 de outubro de 2012

Sempre criança


Imagem: Erik Johansson

Cada um de nós tem uma vocação. Vocação é a voz, um vento que sopra em uma direção. Minha vida profissional de hoje sempre esteve latente desde a minha tenra infância. Nada mudou. Não podemos ser diferentes daquilo que somos. Quando criança eu gostava de brincadeiras que pudessem me desafiar. Queria inventar formas diferenciadas para colocar as coisas no lugar, arrumar para dar simetria, criar estrutura, organizar formas. Atualmente o meu trabalho é organizar pessoas, colocar no lugar o que está fora do eixo. Faço arrumação do corpo, montando o quebra-cabeça da vida orgânica.


Na infância lembro-me de gostar de ficar sozinho montando as peças de meu brinquedo favorito, o Hering-Rasti. Era um sofisticado brinquedo de blocos para montar, parecido com o LEGO. Conheci o LEGO na minha adolescência, mas nunca o achei páreo ao Hering-Rasti. Este tinha um diferencial, podia pôr um motor e colocar minhas criações em movimento. Existiam inúmeras peças avulsas como correias, pneus, roldanas, esteiras, engrenagens. Conseguia construir casas, moinhos, carros, naves espaciais, e muito mais. Só dependia de imaginação e criatividade. O brinquedo me dava sensação de ter muitos em um só.


Retirava as peças da caixa de isopor e as espalhava sobre a mesa da cozinha, enquanto a minha mãe cozinhava. Eu ia encaixando as peças coloridas até formar o meu brinquedo preferido. Podia montar o que eu quisesse, mas o que eu gostava mesmo era montar moinhos de vento. Depois de a estrutura pronta colocava o motor e via o movimento das pás a girar. Desmontava as peças e montava um carrinho, acrescentava o motor e o colocava para andar. Assim, eu passava as tardes brincando e imaginando outras possibilidades de criação.


O meu maior sonho era ter a caixa completa, uma caixa azul enorme com a foto de um menino e uma menina montando um guindaste. Quantas vezes eu sonhei estar abrindo os braços para segurar a caixa. O sonho nunca se realizou, mas não fiquei frustrado por isso. Sabia dos meus limites. Queria ter mais peças, mas não era para o meu bico, como diz a expressão. Meu pai não podia comprar. Naquela época a situação não era tão fácil como agora. Brinquedo caro só se comprava com pagamento em carnê. Mesmo não tendo a grande caixa azul eu me contentava com a que eu tinha. Lembro-me de ganhar uma caixa de complemento no dia das crianças. Não era comum ganhar presentes neste dia, só no Natal.

Ao querer mais peças para a minha invenção, minha mãe dizia que eu já tinha o suficiente. Eu tentava explicá-la que não era repetição e sim complemento. É difícil para os adultos conseguirem entender o imaginário das crianças.

O Hering-Rasti era tão legal que eu brinquei com ele até os meus 13 anos de idade. Na época me sentia um pouco inadequado, pois eu já namorava e se eu namorava não podia brincar. Sentia-me fora do tempo. Lembro-me de conversar com a minha mãe sobre a dúvida de não ser mais criança. Ela me confortou ao dizer que se eu gostava de brincar era porque eu ainda era uma criança. Porém, eu também queria estar no mundo dos adultos. Sempre me esforcei para ser maior do que era.

Hoje quando vejo adultos casados brincando de videogames penso como fui ingênuo de querer crescer rápido. A criança nos habita ad eternum. Tudo passa, mas carregamos conosco todas as idades. Somamos todos os tempos em categorias de lembranças que, no fundo, é uma coisa só, um único acontecimento. Se hoje eu pudesse resgatar o Hering-Rasti eu teria o mais completo, e brincaria o dia inteiro, sem culpa ou sentimento de inadequação, porque hoje eu sei que sou todos os tempos. 

 

 

2 comentários:

  1. Anônimo11:26

    É, todos temos uma criança guardadinha, bem lá no fundo... que por vezes chora por nao permitirmos que ela saia para brincar, e felizes são os que conseguem adequar essa criança com a vida adulta, certamente são pessoas mais felizes. Grande beijo
    Jana

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  2. Anônimo12:57

    Realmente era um GRANDE brinquedo e valia à pena pagar cada tostão pois exercitava muito a criatividade. Lembro que fazia avio~es e carros. Nos carros acoplava um par de fios finos e extensos, ligados a uma tecla de luz: de um lado o carrinho andava p/ frente e do outro lado da tecla o carrinho andava para trás. Era o carrinho controle remoto da época!!! saudades...
    Isso sem contar os mísseis de plástico que voavam bem alto depois de "explodir" na base uma solução de bicarbonato de sódio com limão. Isso criava uma efervessência e aumentava a pressão até o foguete ser lançado. E a criação de micróbios, então? Montar motor elétrico? Os brinquedos eram do "Eureka" vendidos mensalmente. E os livros da série Professor Pardal??? Saudades.

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