Imagem: Erik Johansson |
Cada um de nós tem uma vocação. Vocação é a voz, um
vento que sopra em uma direção. Minha vida profissional de hoje sempre esteve
latente desde a minha tenra infância. Nada mudou. Não podemos ser diferentes
daquilo que somos. Quando criança eu gostava de brincadeiras que pudessem me
desafiar. Queria inventar formas diferenciadas para colocar as coisas no lugar,
arrumar para dar simetria, criar estrutura, organizar formas. Atualmente o meu
trabalho é organizar pessoas, colocar no lugar o que está fora do eixo. Faço arrumação
do corpo, montando o quebra-cabeça da vida orgânica.
Na infância lembro-me de gostar de ficar sozinho montando
as peças de meu brinquedo favorito, o Hering-Rasti. Era um sofisticado
brinquedo de blocos para montar, parecido com o LEGO. Conheci o LEGO na minha
adolescência, mas nunca o achei páreo ao Hering-Rasti. Este tinha um
diferencial, podia pôr um motor e colocar minhas criações em movimento.
Existiam inúmeras peças avulsas como correias, pneus, roldanas, esteiras,
engrenagens. Conseguia construir casas, moinhos, carros, naves espaciais, e
muito mais. Só dependia de imaginação e criatividade. O brinquedo me dava sensação
de ter muitos em um só.
Retirava as peças da caixa de isopor e as espalhava
sobre a mesa da cozinha, enquanto a minha mãe cozinhava. Eu ia encaixando as
peças coloridas até formar o meu brinquedo preferido. Podia montar o que eu
quisesse, mas o que eu gostava mesmo era montar moinhos de vento. Depois de a
estrutura pronta colocava o motor e via o movimento das pás a girar. Desmontava
as peças e montava um carrinho, acrescentava o motor e o colocava para andar.
Assim, eu passava as tardes brincando e imaginando outras possibilidades de
criação.
O meu maior sonho era ter a caixa completa, uma caixa
azul enorme com a foto de um menino e uma menina montando um guindaste. Quantas
vezes eu sonhei estar abrindo os braços para segurar a caixa. O sonho nunca se
realizou, mas não fiquei frustrado por isso. Sabia dos meus limites. Queria ter
mais peças, mas não era para o meu bico, como diz a expressão. Meu pai não
podia comprar. Naquela época a situação não era tão fácil como agora. Brinquedo
caro só se comprava com pagamento em carnê. Mesmo não tendo a grande caixa azul
eu me contentava com a que eu tinha. Lembro-me de ganhar uma caixa de complemento
no dia das crianças. Não era comum ganhar presentes neste dia, só no Natal.
Ao querer mais peças para a minha invenção, minha mãe
dizia que eu já tinha o suficiente. Eu tentava explicá-la que não era repetição
e sim complemento. É difícil para os adultos conseguirem entender o imaginário
das crianças.
O Hering-Rasti era tão legal que eu brinquei com ele
até os meus 13 anos de idade. Na época me sentia um pouco inadequado, pois eu
já namorava e se eu namorava não podia brincar. Sentia-me fora do tempo. Lembro-me
de conversar com a minha mãe sobre a dúvida de não ser mais criança. Ela me
confortou ao dizer que se eu gostava de brincar era porque eu ainda era uma
criança. Porém, eu também queria estar no mundo dos adultos. Sempre me esforcei
para ser maior do que era.
Hoje quando vejo adultos casados brincando de
videogames penso como fui ingênuo de querer crescer rápido. A criança nos
habita ad eternum. Tudo passa, mas
carregamos conosco todas as idades. Somamos todos os tempos em categorias de
lembranças que, no fundo, é uma coisa só, um único acontecimento. Se hoje eu
pudesse resgatar o Hering-Rasti eu teria o mais completo, e brincaria o dia
inteiro, sem culpa ou sentimento de inadequação, porque hoje eu sei que sou todos
os tempos.
É, todos temos uma criança guardadinha, bem lá no fundo... que por vezes chora por nao permitirmos que ela saia para brincar, e felizes são os que conseguem adequar essa criança com a vida adulta, certamente são pessoas mais felizes. Grande beijo
ResponderExcluirJana
Realmente era um GRANDE brinquedo e valia à pena pagar cada tostão pois exercitava muito a criatividade. Lembro que fazia avio~es e carros. Nos carros acoplava um par de fios finos e extensos, ligados a uma tecla de luz: de um lado o carrinho andava p/ frente e do outro lado da tecla o carrinho andava para trás. Era o carrinho controle remoto da época!!! saudades...
ResponderExcluirIsso sem contar os mísseis de plástico que voavam bem alto depois de "explodir" na base uma solução de bicarbonato de sódio com limão. Isso criava uma efervessência e aumentava a pressão até o foguete ser lançado. E a criação de micróbios, então? Montar motor elétrico? Os brinquedos eram do "Eureka" vendidos mensalmente. E os livros da série Professor Pardal??? Saudades.