O mito grego de Eros, o deus do amor e da fertilidade,
representa a ideia da paixão e do desejo sexual. A palavra “erótico” deriva
desse deus tão reverenciado em nossos dias, com outras vestimentas (ou sem
elas), é claro. A iconografia clássica romana representada por anjinhos ingênuos
com asas brancas e pudicas armados de arcos, prontos a disparar flechas em
pessoas desavisadas, ainda é hoje a imagem perseguida pelos românticos. Eu mesmo,
em minha adolescência, pedia aos cupidos para flecharem as garotas que eu me
interessava. Mas, isso só se revelou em minhas fantasias, nunca no plano do
real. Ainda bem, porque naquela época eu talvez não conseguisse dar conta de
uma pessoa apaixonada por mim.
Os gregos antigos temiam os rechonchudos anjinhos porque
viam neles uma forma de amor perigosa, impetuosa e irracional. Para eles, os
cupidos eram inconsequentes a disparar flechas para todos os lados, e quem
fosse flechado perderia o controle, descambando em um relacionamento
incoerente.
As pessoas almejam ter um parceiro loucamente apaixonado,
que tenham atitudes inesperadas e impensadas em função de um amor. A paixão não
é amor, e sim um impulso, um instinto incontrolável. Para não ceder aos
instintos é necessário atenção e racionalidade. Porém, a racionalidade também
se alimenta de emoção. Não existe uma sem a outra. Com potência emocional não sobra
razão que tenha controle. Não é impossível, mas pouco provável que haja meios
de refrear desejos mais intensos, principalmente quando a situação se mostra
propícia.
Existe uma teoria bastante interessante sobre os nossos
impulsos inconsequentes. A teoria é do renomado neodarwiniano Richard Dawkins. Ele
mostra que os nossos genes são egoístas. São eles que ditam as regras de nossa
sobrevivência e procriação. Nossas atitudes, muitas vezes consideradas
racionais, nada mais são do que “movimentos estratégicos inconscientes”. Nossas
decisões são regidas por nossos genes, e eles são egoístas porque eles só
querem se tornar imortais, por meio de outros, ou seja, nossos filhos.
Portanto, o nosso desejo de ter filhos não é uma decisão
consciente, mas um apelo de nossos genes para que eles possam continuar vivendo
em outros. Eles fazem de tudo para continuar, mesmo sem a nossa presença. Dentro
dessa perspectiva, o amor romântico seria apenas um colorido criado pelo
consciente como justificativa, mas quem dita o comportamento impulsivo da
paixão é gerência de nossos genes. Não importa o que sentimos, o mais
importante é o impulso de aproximação de nossos possíveis facilitadores de
reprodução.
De fato, ficamos embriagados com efeito das flechas desses
cupidos invisíveis que são os nossos genes egoístas. Por isso, não é simples saber
qual será a melhor trama a ser vivida com o parceiro (a) com o qual construiremos
uma história conjugal.
Ontem escutei de uma mãe preocupada com a filha: “Ela se
casou com um homem fraco e irresponsável. Agora, ela passa por necessidades
financeiras. O marido está sem trabalho e sou eu quem tem de ajudar”.
Eu disse a ela que não sabemos decidir por nós mesmos de
um modo coerente quando o sino de nossos desejos inconscientes é tocado. Sabemos
sim que somos nós a escrever os nossos scripts de vida, porém a nossa
capacidade racional não é pura. Ela é influenciada por nossos impulsos e
instintos silenciosos. O que podemos fazer para aliviar a angústia é saber que
cada um tem a responsabilidade de assumir a própria vida. É preciso ter
resignação do passado, olhar de frente o presente, e decidir o que será feito a
partir de agora para reescrever o futuro.
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