21 de julho de 2013

O ideal romântico



Filó é o nome de uma mulher que busca ser amada. Nasceu há 80 anos com o nome de Filomena. Contou-me que no dia de seu nascimento seu pai levou para a mãe dela uma jarra de tulipas brancas. Ela acreditava ter herdado do pai uma certa necessidade romântica, até ler que as tulipas são consideradas uma mensagem de perdão. Sempre desconfiou de uma possível traição do pai. Se por um lado era uma mulher romântica, por outro, era desconfiada. Nunca abandonou essa ideia. Sempre desconfiara dos homens. Até porque a mãe sempre que tinha a oportunidade reforçava a ideia com um conselho: "Cuidado! Homens não são confiáveis". Entretanto, ela manteve os sonhos românticos. Casou-se, teve filhos, divorciou-se, casou de novo, ficou viúva, teve outro companheiro e se separou. Foi amada, mas não permaneceu no amor.

Eu a conheci há alguns anos. Ela me procurou porque queria ser uma "velha melhor". Ela não reclamava de nenhum sintoma em seu corpo, pois o que ela queria mesmo era ser melhor. Obviamente, entre as linhas de sua fala estava algo que ela não sabia descrever. O seu coração estava marcado pela história de sua vida, e doía ao ser tocado. O corpo é forjado por nossos desejos mais íntimos. Às vezes, estes desejos são tantos que perdemos alguns pelo caminho.


Semana passada ela me confessou: “Eu nunca tive o meu príncipe encantado. Eu ainda quero realizar o meu sonho”.  Ela reclamava o seu direito de ser princesa. O envelhecimento nem sempre apaga algumas idealizações.

O ideal romântico é uma construção histórica. Não podemos fugir facilmente de nossos sonhos. Às vezes eles só nos trazem infortúnios. Não deixemos de nos enganar pela vida, ou melhor, pelas nossas construções ideológicas. Uma ideologia é uma imagem, uma cena montada por nossos scripts. Temos de nos precaver com os nossos sonhos. Sonhar sem fundamento é frustração na certa. É melhor ser como o menino a soltar pipa. Ele comanda a pipa no céu sem deixar de estar plantado na terra. Assim é mais seguro.

O número de pessoas frustrada é cada vez maior, porque a mídia vende sonhos inacabados. Vivemos a era em que tudo pode ser realizado. Ledo engano. Cada um tem o seu destino, porque possui sua idiossincrasia. O que é meu é meu, o que é do outro é do outro. Não posso embarcar no barco alheio senão estarei à deriva em breve. É assim que uma embarcação encalha, e encalha feio.


Filó mantém os seus sonhos vivos em um corpo envelhecido, mas ela sabe agora relativizá-los. Bem, essa história ainda não acabou. Temos de seguir em frente e quem viver verá, ou não, porque é apenas uma história.  

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