31 de agosto de 2013

Em busca de um novo esquecimento




Estou de volta após um mês. Estive fora porque me esqueci de retornar. Agora que voltei não me encontro. Estou com um novo computador, e decidi verificar os meus arquivos. Para a minha surpresa não consigo me lembrar de vários escritos meus. Procurei um livro para este texto e também não o encontrei. Não me lembro da capa dele. Já olhei por toda a estante e não consigo achar. Procurar sem referências prévias não facilita encontrar o que quero. É necessário códigos mentais para criar o mundo. Será que eu consigo me lembrar do que esqueci? Será que bebi da água do rio Lete? Na mitologia grega Lete é um dos rios do Hades. Aqueles que bebem ou até mesmo tocam na sua água experimentam o completo esquecimento. Eu tenho tantas coisas para me lembrar que não consigo, e tantas para me esquecer que não me deixam. Acho que seja isso que Nietsche queria dizer ao escrever: “Felizes os esquecidos”. Não tenho arrependimentos, mas muito do que não quero me lembrar não me abandona, como a música da Anita: “o show das poderosas”, ou dos programas imbecis da televisão. Acho que me torno superficial porque a mídia força a barra. Se quero estar conectado tenho de saber selecionar. Mesmo assim, muita informação me assola, sem que eu perceba. Por exemplo, agora, atrás da minha casa, tem um carro a tocar uma música funk insuportável. Eu não posso me abstrair dela. De certo modo, eu tenho códigos para ela.

Na semana passada ao conversar com um homem de 83 anos, ele me disse: “A minha memória está ficando fraca, não me lembro tão bem das citações dos autores que antes saiam sem esforço”. Ele, de fato, ainda consegue lembrar de citações inteiras de autores, algo que para mim é muito difícil. Conversando também com um ator, ele me disse que certos autores de novela não permitem que seja trocada uma palavra sequer do texto, e até ameaçam retirarem o ator da trama caso insistam nos “cacos”. Eu disse a ele que não consigo sequer lembrar de uma música inteira. Sempre quis decorar poemas, nunca consegui. Certa vez, experimentei o poema “Velhas árvores” de Olavo Bilac. Meu desejo era recitá-lo em uma de minhas palestras. Nunca quis arriscar, até mesmo porque não conseguia recitá-la só para mim. Recitar uma poesia e esquecer de um trecho é como contar uma piada e esquecer de uma parte. Acaba a graça completamente.

Continuo a insistir que eu preciso me recompor, mudar meus hábitos, exercitar o meu cérebro. Atualmente com os novos recursos da internet, smartphones, tablets, ficamos cada vez mais ancorados na memória do HD e menos em nossas sinapses. Apenas usamos a nossa memória de trabalho. Para transformar a memória de curto prazo para memória a longo prazo é preciso muito exercício, como exercitar um músculo para que ele fique mais forte, hipertrofiado.

Os nossos dias se tornam mais curtos, porque temos muito o que olhar, ouvir, sentir. O problema é que todas as experiências se fazem do lado de fora, do lado de lá. Sem voltarmos para dentro algo não acontece em nós. Ontem eu disse a uma mulher: “Estar do lado de dentro não é fácil. É preciso exercitar a consciência atenta”. Ao dizer essas palavras, eu pensei: será que queremos estar em nós e para nós?

Não é simples, uma vez que somos condicionados a vislumbrar o mundo através de uma janela. O mundo nos pertence enquanto estamos nele. O problema é que ele é o que somos nele. Não temos como escapar de tudo o que ocorre, nem mesmo esquecer o que nos envolve. Não basta ter uma boa memória, é preciso saber o que fazer com ela.

Enfim, aqui estou em busca daquilo que esqueci, rumo ao novo esquecimento.

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