4 de novembro de 2013
A incerteza de toda história
Nem tudo que cai é chuva.
Nem tudo que voa é vento.
Nem tudo que se pisa é terra.
Nem tudo que brilha é sol.
A única certeza é que não temos como escapar dos
fragmentos incertos de nossa história pessoal. Se pudéssemos compreender tudo,
não erraríamos jamais. O problema é e sempre será a nossa ignorância. Somos
ignorantes porque não nascemos prontos. Estamos em acabamento. Porventura a
morte extermine a ignorância. Quem sabe
se a morte anunciará a compreensão que tudo - aquilo que não podemos mais tocar,
cheirar, ouvir, ver – nada mais é do que algo libertador? Eu penso que em
decorrência da morte só nos restará a paisagem da nossa mente individual. Nela,
poderemos nos regozijar. Pois não haverá mais dúvidas. Mesmo assim, isso é só
uma conjectura, nada mais.
No sábado eu estive num almoço na casa de meu irmão
com as minhas primas que há 15 anos não via. Saí cedo e viajei quase 60 km. O
dia estava incrível. O verde cintilava em contraste com o azul límpido do céu.
Era um dia após uma semana inteira de muita chuva. Na viagem não deixei de me
sentir bem ao ver o movimento do vento a mover as copas das mangueiras. A
estrada é repleta de mangueiras centenárias. Desde a minha infância elas se
tornaram testemunhas de minha admiração. Lembro-me de uma em especial que
ficava numa curva da estrada. Ali, muitas mulheres vendiam mangas, e o meu pai
sempre parava o carro para comprar mangas carlotinhas. Aquela lembrança me
tomava por inteiro, eu chegava a sentir o cheiro e gosto da manga, sem falar
nas mãos embebidas de caldo escorrido. Isso só era lembrança, construída no
vazio da realidade.
Chegando ao encontro avistei a primeira prima, nos
abraçamos e ela foi logo me convidando para uma festa na casa dela no próximo
mês. Obviamente que ela estava excitada com o encontro e por sua característica
ansiosa não conseguia permanecer no momento presente. Queria marcar outros
encontros, para que seus outros irmãos e a mãe dela, minha tia, que não puderam
comparecer ao almoço tivessem a boa sensação do reencontro. Ela não conseguia
deixar de falar sobre novos encontros, viagens juntos: "Temos de
marcar", ela afirmava com veemência.
As outras primas chegaram bem depois. Foi
emocionante ver um pedaço de minha história escondido naquelas pessoas. Assim
que todos sentaram para almoçar, eu comecei a falar como um doido, num discurso
irrefreável sobre a minha história após os 15 anos de distância. Também estava
excitado, tanto que comecei a suar. Queria em pouco tempo dizer quem eu era
agora. Infelizmente, as pessoas não falam de si, elas procuram as novidades da
mídia, ou mesmo fatos em torno de algo impessoal. Eu insisti, mas logo percebi
que não deveria ser um chato. Até mesmo porque havia pessoas ali que não
compactuavam com a nossa história. Então, falei um pouco de minha mãe, e elas
começaram a falar da família, trazendo o passado de um lugar muito distante, a
história de nossos avós. Eu não conhecia aquelas histórias. Eu não sabia, por
exemplo, que o meu avô tinha um livro onde anotava sobre os filhos e netos. Também
não sabia sobre o sobrenome italiano de minha avó, nem tampouco que existe uma
cidade com o sobrenome da família. Eu nem perguntei onde se localizava essa
cidade, aqui no Brasil ou na Itália. Estava imerso em emoção apenas.
E as histórias foram tomando um rumo indescritível
que eu não conseguia acompanhar, eu não fazia parte, me senti distante, como
sempre acontece em relacionamento social. Não que eu não gostasse da família,
pelo contrário, eu sempre gostei de minhas primas. Na infância e adolescência
sempre ia para casa de meus tios. Pelo fato de elas serem um pouco mais velhas
do que eu, tinha a chancela de sair com elas à noite. Sentia a sensação de que
era coisa boa aquele passado, sem saber o que fazíamos na realidade. Minha memória
não dava conta de saber.
Meu irmão sabia mais das histórias do que eu. Então
pensei, a minha memória está falha ou eu deletei acontecimentos. Quais são os
acontecimentos de minha vida que eu não deletei? Quais que eu tenho certeza de
que existiram de fato? Logo percebi que eu não podia responder as minhas
perguntas com certeza, pois a memória falhava. Tentava conseguir acesso, mas
sem êxito. A memória é formada por interesses próprios de cada indivíduo. Eu
estava à deriva de minha história familiar. Será que as pessoas criavam
histórias para elas mesmas? Eu penso que sim. Será que eu havia me perdido de
minha família? Eu acredito que sim. Isso me deixou com um vazio
existencial.
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