18 de fevereiro de 2014

Os meus olhos pretos





Os meus olhos sempre foram pretos. Se a luz incide sobre eles, as pupilas se contraem tímidas e ingênuas. Nunca encontrei brilho nesse lugar. Eles são como uma caverna escura a guardar o mistério. Numa determinada época eu pensei que eles pudessem ser olhos tristes, mesmo sem me sentir assim. Talvez a tristeza estivesse bem lá no fundo, ou talvez nem fosse minha. Poderiam ser olhos herdados. O que se herda nem sempre é conhecido. Não posso culpar os meus genes, pois nada é meu senão por merecimento. Nem todo merecer é satisfatório, às vezes, ele é compulsório.

Os olhos pretos podem conter algo que não querem mostrar. Todos os segredos estão no escuro. Onde há luz existe compreensão, enquanto na escuridão o mistério insiste em se esconder. Tenho algo a me acompanhar sem que eu compreenda. Porque sou muitos em um só corpo. Tenho partes que ainda não foram descobertas. O velado não se compreende. O conhecido pede reflexão, sem a qual não há o alcance de si mesmo.

Eu gostaria de ter olhos caleidoscópicos com nuances coloridas e de complexidade luminosa. Queria poder enxergar por diversos ângulos e assistir ao espetáculo da miragem. Contudo, os sonhos são para poucos. Talvez só para os buscadores de ilusão. De certo modo, eu me contento com o que tenho, porque sei que o escuro pode se perfazer em luz, mesmo que seja por um momento bruxuleante. Esses são os olhos dos buscadores espirituais.

Na adolescência eu sonhava em ter olhos coloridos, achava-os bonitos e com bondade. Hoje, eu vejo os feios com olhos de diversas cores. Será que a cor pode mudar a qualidade de uma pessoa? Nem todos os olhos verdes possuem bons ouvidos. Nem todos os olhos castanhos claros tem sabedoria da caminhada. Nem todos os olhos azuis tem pernas fortes. Porque nenhum desequilíbrio fica impune. As falácias justificatórias não são suficientes para colocar alguém no bom destino.

Os cabelos brancos e a presbiopia nos ensinam muito sobre a resignação do olhar. Ainda tenho muito que aprender a ver. O que me pacifica é que a vida sempre se encarrega de ensinar. Isso é o que me propicia me organizar num sentido mais claro para mim mesmo.

Ainda não tenho aro senil. Penso como será tê-los? Já não sou tão jovem de ignorância, nem tão velho de sabedoria. Estou nas cercanias de minha temporalidade. O corpo tem data de validade. Então, como serão os meus olhos no futuro? Ainda pretos? Os meus cabelos já ficaram brancos e finos. Antes, eles eram crespos e pretos. Será que os olhos dos velhos se tornam brancos quando eles perdem a capacidade de enxergar? Eu não quero deixar de ver o que me toca, de sentir o que me enternece. Quero continuar renovando a força de meu espírito mantendo o meu coração puro.

Se eu não tenho olhos brilhantes é porque não mereço tê-los. Será que a minha vida seria diferente se eu os tivesse? Já vi olhos castanhos claros chorarem, olhos azuis em desespero, olhos verdes deprimidos. Cada um tem no olhar uma história para contar. Cada um tem um corpo próprio. Cada um tem um corpo e uma reclamação.


O corpo nunca se engana. Ele é o que é para nos incentivar a caminhar na estrada certa. A espiritualidade é o encontro com o Eu profundo. Todos nós temos uma tendência ao encontro com o centro. Tudo nos leva a Deus, o Uno, ao centro de nós mesmos. Como afirma mestre Eckhart: “O mesmo olho que vejo Deus, Deus me vê”. O que está fora é o que se encontra dentro. É preciso bons olhos para ver o sagrado. Quero tê-los para ver o mundo mais claro, radiante e brilhante. Posso ter olhos pretos e um coração repleto de luz.


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